Dirigido por Clint Eastwood, o filme com Leonardo DiCaprio, disponível no Prime Video, vai te hipnotizar até a cena final Keith Bernstein / Warner Bros. Entertainment

Dirigido por Clint Eastwood, o filme com Leonardo DiCaprio, disponível no Prime Video, vai te hipnotizar até a cena final

Não era tão difícil perceber que no armário de John Edgar Hoover (1895-1972) havia esqueletos incômodos. Chefe do Bureau de Investigação entre 1924 e 1972, Hoover transformou sua autarquia numa poderosa força de inteligência policial ao conseguir, em 1935, que entrasse para a folha de pagamentos do governo federal dos Estados Unidos, e o resto é história. A ascensão do FBI como uma das entidades de que cidadãos americanos de todos os matizes ideológicos mais se orgulham confunde-se com a vida do homem que o dirigiu por quase meio século, parte da brilhante cobertura feita por Clint Eastwood em “J. Edgar”. Essa biografia a um só tempo reverente e algo escandalizadora sob mais de um aspecto tira muitos véus de cima da personalidade convictamente excêntrica de Hoover, um homem que se fez sozinho até chegar ao topo, atravessando oito presidentes e, por óbvio, uma miríade de desafetos. 

Eastwood ter escolhido Dustin Lance Black como roteirista joga luz sobre uma das faces do protagonista a serem iluminadas, mas não a única. Autor do texto de “Milk: A Voz da Igualdade” (2008), de Gus Van Sant, Black ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original ao deslindar dores e glórias de Harvey Milk (1930-1978), o primeiro político abertamente gay da América. J. Edgar Hoover, como se sabe, nunca abraçou a causa — pelo contrário, fazia questão de deixar claro que não admitiria homossexuais nas fileiras de seu exército particular —, mas também não era tão paranoico assim com a vigilância de sua própria homossexualidade.

“J. Edgar” perfaz a vida de Hoover desde a infância em Washington, D.C., até sua morte, na mesma cidade, 77 anos, quatro meses e um dia depois, preenchendo o espaço entre um e outro ponto com passagens saborosas de sua intimidade em família, o gosto pelo poder e a paixão por um subordinado, também isso um cálculo sem margem para erros. O primeiro tópico poderia ser sintetizado pela adoração meio patológica de Hoover pela mãe, Anna Marie Scheitlin (1860-1938), com Judi Dench, como não seria diferente, numa performance onde nada sobra ou falta, ainda que em aparições bissextas. 

Sem dúvida, foi Annie quem incutiu no filho a certeza de que ele merecia tudo quanto desejasse, confirmando as teorias de Freud, defensor da ideia que pregava que muito do que o indivíduo se torna deve-se ao constante incentivo materno (ou à depreciação mais implacável). No caso de Hoover, ele acreditou mesmo nos elogios da mãe e construiu em torno de si essa imagem de dono do mundo, e seu mundo era o FBI. Eastwood coloca seu protagonista no centro da ação em quase todos os 137 minutos de filme, revivendo célebres episódios da história criminal americana, a exemplo do sequestro e assassinato do filho de um ano e oito meses do aviador Charles Lindbergh (1902-1974), por Richard Hauptmann (1899-1936), e a captura de John Dillinger (1903-1934), um habilidoso ladrão de bancos, ocorrências em que precisou da ajuda de Al Capone (1899-1947). 

O longa entra na convivência de Hoover e Clyde Tolson (1900-1975) com tato, sem esticar a corda e criar lances obscenos, o que não tem a ver com o rematado conservadorismo do diretor, mas com a vontade de retratar uma alma que sofre, e que por acaso escondia um amor proibido. O triângulo emocional entre Hoover, Tolson e Helen Gandy (1897-1988), a secretária da vida toda que conseguiu livrar-se de uma armadilha perversa e ser “apenas” a mulher mais influente do serviço secreto dos Estados Unidos, é a grande trama, sempre nas entrelinhas, com Leonardo DiCaprio, Armie Hammer e Naomi Watts em alguns de seus melhores trabalhos, os três encarnando a juventude e a velhice de seus personagens, graças à excelência dos efeitos visuais. Sim, J. Edgar Hoover era gay, mas isso é só a superfície desse filme estranhamente poético.

Filme: J. Edgar
Diretor: Clint Eastwood 
Ano: 2011
Gênero: Drama/Romance
Avaliaçao: 9/10 1 1
★★★★★★★★★