A sequência “O Souvenir: Parte 2” projeta-se como uma memória íntima, repleta de conquistas e derrotas, de momentos que vão do riso fácil às lágrimas silenciosas, experiências que, para uma jovem, formam o compêndio de seus instantes mais significativos. São essas lembranças que, por mais que o tempo passe, permanecem vívidas, intocadas pela névoa dos anos, embora muitas vezes ainda machuquem. Há ocasiões em que revisitar essas memórias se torna inevitável; elas voltam à superfície com uma intensidade inesperada, mostrando que o tempo não suaviza todas as feridas. É justamente essa percepção da imutabilidade do passado que nos atinge, nos lembrando de que, agora, não resta muito além de rir ou de chorar diante do que não pode ser modificado.
Com a sensibilidade e visão únicas que consolidaram sua carreira, Joanna Hogg, uma das vozes mais racionais do cinema atual, retoma a jornada de Julie Hart, uma estudante de artes cinematográficas em meio à conclusão de seu projeto de estreia. Ao mesmo tempo, Julie lida com a perda devastadora de seu companheiro, uma experiência que transforma e integra cada etapa de sua trajetória, levando-a a novas compreensões que só emergem em situações de extremo desafio. Diferente de uma simples continuação, Hogg evita revisitar exaustivamente o filme anterior, optando por construir algo novo e autossuficiente, com elementos que fazem desta narrativa uma experiência dinâmica e cativante, mesmo para quem desconhece a primeira parte da saga.
A combinação de melodrama com revelações inesperadas e uma boa dose de erotismo — filmada de forma refinada, mas inegavelmente presente — pode, em muitos casos, resultar num projeto de execução duvidosa, sem coesão e com o risco de parecer disforme, como uma engrenagem montada com peças de tamanhos desiguais. No entanto, produções que seguem essa linha, se assim se pode chamar, costumam revelar aspectos intrigantes, mesmo que a originalidade não seja sua maior virtude.
Narrativas com essa diversidade acabam surpreendendo menos e cativam a audiência pela ausência de previsibilidade; o espectador, desarmado, aceita essa imprevisibilidade e a utiliza como âncora para seguir em frente, absorvendo o caos crescente de forma natural. Dependendo da forma como cada elemento é distribuído na história, o caos dramático pode se tornar mais harmônico, e qualquer possível resistência em captar a complexidade proposta se dissipa logo nas primeiras cenas, que já anunciam um afastamento do habitual.
Aceitar os ciclos da vida, reconhecer a singularidade de certos laços e compreender que muitos mistérios de uma relação jamais serão totalmente desvendados é uma decisão que, embora árdua, pavimenta o caminho para uma felicidade peculiar e pessoal. No coração de “O Souvenir: Parte 2”, a performance de Honor Byrne como Julie Hart personifica, de maneira magistral, o magnetismo que Hogg deseja projetar. O uso de cenas adornadas por flores e cenários imponentes, embalados por clássicos como “Moonlight Serenade” (1944), da Glenn Miller Orchestra, imprime no espectador a promessa de uma felicidade sutil, como um vislumbre de um tempo perdido, em sintonia com a estética proustiana. A obra de Julie no filme, em si, é um exercício metalinguístico que enriquece ainda mais a experiência, acrescentando camadas e subtextos ao enredo central.
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