O filme obrigatório que todos devem ver ao menos uma vez na vida — chegou à Netflix Divulgação / Focus Features

O filme obrigatório que todos devem ver ao menos uma vez na vida — chegou à Netflix

A dor de um coração partido é uma das experiências mais intensas que um adulto pode vivenciar. Um término amoroso, embora não seja uma morte física, representa o fim de um amor, de sonhos compartilhados, de expectativas e de um futuro idealizado. As palavras muitas vezes falham em capturar a verdadeira magnitude desse sofrimento. Se houvesse um caminho que nos permitisse pular essa fase de dor, deixando para trás os traumas e lembranças e nos permitindo avançar para um novo relacionamento sem cicatrizes emocionais, talvez a vida parecesse mais fácil. Contudo, evitar essa dor significaria renunciar a uma parte essencial de nós mesmos, a elementos que definem nossa trajetória e completam nossa identidade. As tristezas e as alegrias formam, em conjunto, a trama que nos constitui.

É sobre essa complexidade das memórias e sua importância que Charlie Kaufman, conhecido por suas tramas inovadoras e introspectivas, nos leva a refletir em “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, filme dirigido por Michel Gondry. A produção nos provoca a questionar: a felicidade seria mais fácil de alcançar se pudéssemos simplesmente apagar da mente aqueles que amamos e que nos causaram dor? Seja pela busca por uma nova vida, por decisões próprias ou por outras circunstâncias, o que aconteceria se pudéssemos remover da memória essas relações que deixaram cicatrizes?

A trama central acompanha Joel Barish (Jim Carrey) e Clementine Kruczynski (Kate Winslet). A narrativa não segue um padrão linear, nem se prende ao realismo habitual. Ao longo do filme, entendemos que Joel e Clementine se conhecem em uma viagem de trem e vivem uma relação marcada por momentos doces e conflitos, onde a falta de comunicação e a introspecção de Joel contrastam com a personalidade vibrante e impulsiva de Clementine. Essa dinâmica, com o tempo, leva ao fim abrupto do relacionamento, um término que impacta especialmente Joel, que fica chocado ao descobrir que Clementine apagou todas as lembranças dele de sua mente.

Movido por mágoa e perplexidade, Joel decide passar pelo mesmo processo de apagamento de memória que Clementine. Com um aparato tecnológico conectado à sua cabeça, ele entra em um estado de inconsciência, e suas memórias são mapeadas para que possam ser removidas. Durante essa jornada interna, acompanhamos Joel revisitando as lembranças de sua relação com Clementine. Conforme o processo avança, ele percebe o quanto aquelas memórias, mesmo as dolorosas, são parte fundamental de quem ele é. Sem poder verbalizar, por estar inconsciente, ele passa a lutar dentro de sua mente para salvar o que resta de suas memórias, na tentativa de proteger a história que compartilhou com Clementine.

A exploração do inconsciente de Joel revela a intensidade e a profundidade de suas emoções. À medida que revê os momentos que acreditava querer esquecer, ele compreende que até os instantes marcados por dor fazem parte de sua experiência de vida e têm um valor inestimável. Clementine, com suas imperfeições e características únicas, desempenhou um papel crucial na formação de quem ele se tornou, e as memórias — por mais difíceis que sejam — são essenciais à sua identidade.

Enquanto a trama se desenrola dentro da mente de Joel, acompanhamos também os dilemas enfrentados pelos funcionários da clínica que realiza o procedimento de apagamento. Suas questões éticas e suas próprias experiências pessoais adicionam complexidade à narrativa, destacando as implicações morais do processo que realizam.

O roteiro assinado por Kaufman incorpora os traços que o definem como um dos autores mais singulares do cinema. Combinando reflexões profundas sobre a vida e uma abordagem surrealista, ele estrutura a história de maneira que reflete a natureza fragmentada da mente humana. A desconstrução cronológica dos eventos permite ao espectador vivenciar, junto com Joel, a confusão e a intensidade emocional, gerando empatia e conexão com sua jornada.

A obra não se limita a ser um estudo sobre a perda e o esquecimento; ela também aborda a relação entre memória e identidade, explorando as camadas mais íntimas da psique humana. Kaufman leva o espectador a ponderar se realmente nos libertaríamos da dor ao eliminar as lembranças ruins, ou se, ao fazer isso, estaríamos sacrificando uma parte essencial de nós. São essas questões existenciais que tornam o filme impactante e inesquecível, convidando todos a refletirem sobre a verdadeira natureza do amor, da dor e da lembrança.

Filme: Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças
Diretor: Michel Gondry
Ano: 2004
Gênero: Ficção Científica/Romance
Avaliaçao: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★