Seja feliz por 133 minutos: a comédia romântica da Netflix para esquecer todos os problemas François Duhamel / CTMG

Seja feliz por 133 minutos: a comédia romântica da Netflix para esquecer todos os problemas

No decorrer das mais de duas horas de “Comer, Rezar, Amar”, o espectador é levado a refletir sobre a complexidade do desejo humano, onde a busca incessante muitas vezes resulta em desencontros e quase perdas irreparáveis. Inspirado no épico “Odisseia” de Homero, o filme adota uma perspectiva contemporânea e feminina, fundamentada em uma produção ambiciosa e cuidadosamente orquestrada. A narrativa, que acompanha a jornada da protagonista Elizabeth Gilbert, destaca sua insatisfação latente e a necessidade de se reconectar consigo mesma, numa espécie de exploração existencial que se desenvolve além das fronteiras de sua Nova York natal, passando por paisagens exóticas de Bali, Índia e Itália. O propósito é mostrar que a verdadeira paz interior está mais próxima do que ela imagina, escondida em um local que só ela pode acessar.

Ryan Murphy, ao adaptar o aclamado livro de Gilbert, que permaneceu por 180 semanas entre os mais vendidos do “The New York Times” após seu lançamento em 2006, captura com precisão as nuances da protagonista, uma mulher repleta de paradoxos e inquietações. Liz, que se encontra em meio a uma crise de meia-idade, encarna o desejo universal de transformação e autodescoberta. Seu percurso é permeado por reflexões sobre as incertezas da vida e pela percepção de que respostas definitivas são raras, um entendimento que cresce à medida que a personagem amadurece.

A jornada de Liz inicia-se em Bali, pedalando por campos de arroz e refletindo sobre as fragilidades humanas que transcendem status e riqueza. Ela segue com a intenção de compor um ensaio sobre espiritualidade, visitando o eremita Ketut Liyer, cuja sabedoria simples ressoa em suas previsões e na metáfora visual de uma deusa hindu equilibrada em quatro patas, um símbolo crucial para a compreensão do desfecho da trama. A incapacidade de Liz de se manter em relacionamentos, apesar de ter parceiros dedicados, evidencia uma insatisfação mais profunda e alimenta seu desejo de partir em busca de algo mais significativo.

O roteiro, assinado por Murphy e Jennifer Salt, conduz a trama de forma que o público oscila entre desprezar e compreender a protagonista. Liz começa como uma figura egoísta e indecisa, mas transforma-se em alguém vulnerável, contrastando com os homens que abandona em sua trajetória. Essa transformação só é crível graças à atuação de Julia Roberts, cujo carisma inegável torna Liz acessível e humana. As cenas com Stephen, interpretado por Billy Crudup, retratam a rotina entediante de uma vida sem grandes expectativas, uma lembrança que Liz revisita com uma mistura de saudade e aceitação. Uma das cenas mais marcantes envolve a dança do casal em uma festa de bodas, ao som de um hit icônico, refletindo um adeus poético e tocante. A relação com David Piccolo, vivido por James Franco, é igualmente bem resolvida em diálogos que encerram os conflitos de forma sutil.

A passagem de Liz pela Itália é marcada por indulgências e um toque de humor, mas é na Índia que a trama atinge seu ponto de virada. A amizade com Richard, um texano encontrado em um templo nos arredores de Nova Délhi, traz a profundidade emocional que faltava à narrativa e impulsiona Liz a valorizar suas descobertas. O retorno a Bali é pontuado por um reencontro irônico com Ketut, que, em um momento de humor involuntário, não a reconhece. Richard Jenkins, na pele do texano, também deixa sua marca ao retornar aos Estados Unidos, enquanto Liz, por fim, se permite viver um novo amor com Felipe, interpretado por Javier Bardem, que entrega uma performance cheia de nuances. Se o ensinamento de Ketut sobre o equilíbrio amoroso faz sentido, Liz encontra-se, finalmente, na rota correta de sua jornada pessoal.

Filme: Comer, Rezar, Amar
Diretor: Ryan Murphy
Ano: 2010
Gênero: Drama/Romance
Avaliaçao: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★