Shawn Levy não aposta em explosões imediatas para conquistar a atenção do espectador com “O Projeto Adam”. Diretor de “Free Guy: Assumindo o Controle” (2021), Levy mostra um domínio que vai além do entretenimento fácil, construindo um drama de ficção científica onde o tempo, moldado e remoldado, transcende os meros truques narrativos para se tornar uma reflexão densa e contundente. Nesta obra, ele explora temas distópicos e críticos, sem forçar moralismos, mantendo Ryan Reynolds no papel central, em uma abordagem que destaca a constante vulnerabilidade humana.
Levy nos lembra que, em meio a tempos conturbados, figuras heroicas, por vezes desajustadas, são necessárias — algo que o diretor disseca com maestria. Ao examinar o tempo, Levy expõe como cada época tem seus dilemas únicos: alguns mais simples de resolver, outros capazes de consumir o espírito humano. Em alguns casos, ele sugere, retroceder no tempo traria a oportunidade de lidar novamente com situações traumáticas e resolver pendências dolorosas. Nos ecos de um passado quase mítico estão as memórias que nos definem e, em última análise, moldam nossa identidade e orgulho pessoal.
Ryan Reynolds traz uma performance marcante como Adam Reed, um herói fora dos padrões, interpretado com maturidade e intensidade emocional, capaz de transitar entre o sarcasmo e a melancolia com naturalidade. Logo na primeira cena, ele assume seu papel com força, conduzindo uma nave que o leva de 2050 a 2022, conforme o enredo assinado por Jonathan Tropper, Mark Levin, Jennifer Flackett e T.S. Nowlin. Viagens ao passado, no contexto de Reed, são uma ferramenta para resolver conflitos íntimos.
Esse Adam, carente e impulsivo, é reflexo do garoto rebelde e sensível que foi, uma dualidade que Walker Scobell encarna com precisão ao representar o protagonista na infância. Scobell nos revela um Adam de 12 anos que, expulso da escola por uma briga injusta, já experimenta a alienação e a sensação de desajuste social. Ele enfrenta esses desafios com uma sensatez surpreendente, deixando Ellie, sua mãe, vivida por Jennifer Garner, perplexa ao confrontar essa mistura de fragilidade e resiliência. Levy destaca a intensidade da relação entre mãe e filho, transmitindo o luto de Ellie, viúva há um ano, ainda incapaz de seguir em frente e abrir mão dos pertences do marido.
O encontro entre os Adams de Scobell e Reynolds é o ponto de convergência emocional do filme, revelando como ambos se espelham em suas dores e cicatrizes, mesmo que em temporalidades distintas. Adam, o jovem, ainda desconhece a relação entre eles, enquanto o Adam mais velho revisita suas próprias fraquezas, percebendo que o que falta ao garoto é empatia e aceitação, sobretudo de si mesmo. Essa reflexão o leva a entender que seu amadurecimento deve muito à criança esperançosa e gentil que ele foi. A conexão entre os dois Adams é a força motriz da trama, onde o sarcasmo é uma marca de identidade, mas também um mecanismo de defesa contra as duras lições que a vida impõe.
Na primeira metade do filme, Levy oferece um drama tocante e intimista, mas conforme a história avança para o terreno da ficção científica, o enredo assume uma rota previsível, com ecos de produções como “O Exterminador do Futuro” (1984) e “De Volta para o Futuro” (1985), além de toques de “Alta Frequência” (2000). A partir desse ponto, o filme resvala em cenas de ação que, embora bem coreografadas, podem parecer um tanto genéricas.
Personagens como Louis (Mark Ruffalo), pai de Adam, e Laura (Zoe Saldaña), esposa do protagonista, são deslocados para papéis que oscilam entre coadjuvantes funcionais e figuras sem grandes inovações, caindo em uma zona que remete a clássicos da ficção científica, como “Star Wars” e “Eu, Robô” (2004). A vilã Maya Sorian, interpretada por Catherine Keener, adiciona conflitos à trama, mas sua presença, apesar de intensa, não traz novidade ao gênero, remetendo a antagonismos já explorados.
Apesar dos clichês que permeiam o gênero, “O Projeto Adam” evoca uma ambição maior: a possibilidade de revisitar o passado não apenas como um mecanismo de redenção pessoal, mas também como um instrumento de mudança histórica. Levy nos convida a imaginar uma humanidade com a capacidade de corrigir eventos trágicos, impedir a ascensão de figuras perigosas ou preservar civilizações ameaçadas. Mas ele também adverte sobre os dilemas morais e as consequências que essas interferências trariam, especialmente para uma sociedade que ainda luta para resolver os próprios conflitos contemporâneos.
Mais do que uma aventura sobre viagens no tempo, o filme se destaca ao colocar em perspectiva a dualidade humana e as escolhas que definem quem nos tornamos. Todos, em certo sentido, enfrentamos dilemas como Adam Reed, e “O Projeto Adam” nos provoca a refletir sobre a forma como lidamos com nossas dores e derrotas: buscando seguir em frente ou, quem sabe, transformando essas experiências em um impulso para a transformação real, sem ceder à tentação de projetar nossas falhas em vilões externos.
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