A infância é um período propício para explorar as mudanças inevitáveis que a vida traz, e em “Conta Comigo”, Rob Reiner conduz o público em uma jornada que equilibra momentos de serenidade e de turbulência, sem cair na simplicidade e, muitas vezes, evitando até o encanto e a leveza típicos. O diretor conduz essa narrativa de forma que o público precise se conectar emocionalmente com as quatro crianças protagonistas, figuras que, à medida que a história avança, deixam de ser apenas personagens distantes e se tornam espelhos de nossas próprias vivências. Esse vínculo só é plenamente estabelecido quando nos permitimos deixar de lado os receios e abraçar a liberdade de enxergar a infância sem o peso das experiências acumuladas.
A adaptação de Bruce A. Evans e Raynold Gideon para o conto “O corpo”, parte da coletânea “Quatro Estações” (1982) de Stephen King, preserva a essência de suspense típica do autor, mas de maneira dosada e presente em momentos pontuais. O filme de Reiner, no entanto, prioriza uma narrativa fluída e envolvente, em que as experiências vividas pelos personagens se encaixam naturalmente no fluxo da história. Essa abordagem é notável em passagens em que as crianças compartilham histórias e devaneios, retratadas com uma autenticidade tocante. O filme começa com um flashback que revela a trágica morte de Christopher Chambers, esfaqueado enquanto tentava separar uma briga.
A perda do personagem, interpretado por River Phoenix (1970-1993), é abordada de forma sutil, o que minimiza o impacto inicial da tragédia e a integra à trama de maneira a reforçar a mensagem final. Gordie Lachance, que inicialmente parece ser uma figura coadjuvante, torna-se o centro da narrativa na interpretação de Wil Wheaton, e é impossível não perceber sua conexão como alter ego de King: um garoto introspectivo, cheio de inseguranças, lidando com a transição da infância para a adolescência enquanto enfrenta a indiferença de um pai distante (Marshall Bell). O suporte emocional vem de seu talento para contar histórias e da lembrança de seu irmão Denny, vivido por John Cusack, que lhe oferece refúgio e apoio.
No verão de 1959, com a cidade de Portland servindo de cenário, Gordie e seus amigos se aventuram em busca de um corpo que dizem estar escondido em um bosque distante. O jovem em questão, Ray Brower, torna-se um elo entre a infância dos personagens e a descoberta abrupta da finitude e da fragilidade da vida. A cena icônica em que os garotos atravessam os trilhos sobre o rio Willamette ilustra com precisão a linha tênue entre a aventura e o perigo real. Esse momento, em que Chris lidera o grupo e enfrenta seus medos com Gordie, Vern (Jerry O’Connell) e Teddy (Corey Feldman), marca o ponto de virada da narrativa. A tensão e o humor sutil dos quatro amigos ajudam a manter o equilíbrio do filme, que, mesmo em seus momentos mais leves, carrega um subtexto profundo sobre perda e amadurecimento.
As metáforas de King, habilmente trabalhadas por Reiner, aparecem em diversas camadas: crianças que, embora fascinadas pela morte, fogem dela quando a confrontam; amizades que servem de bússola moral em meio a incertezas; e os trilhos, que representam tanto a jornada literal quanto a simbólica da vida. A conclusão do filme, que revela quem realmente foi Ray Brower e como sua trajetória foi interrompida, faz com que a mensagem central ressoe ainda mais forte. Antes disso, Gordie, o narrador, já deixa claro o peso de suas próprias memórias e as relações com o pai e o irmão.
“Conta Comigo” transcende o simples relato de uma aventura infantil e se torna um retrato marcante sobre o processo de crescimento e as transformações difíceis que todos enfrentamos. A história nos lembra que, em algum momento, a voz que nos guia da infância ao mundo adulto precisa encontrar força e coragem para enfrentar o que está por vir. É nesse ponto que a jornada se transforma, e o amadurecimento se torna inevitável.
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