Angelina Jolie, mundialmente reconhecida por sua presença como atriz, tem explorado com intensidade o campo da direção. Seu filme de 2017, “First They Killed My Father”, é um testemunho desse compromisso, sendo o quinto longa que conduz com a mesma meticulosidade que dedica a seus papéis. O roteiro, criado em colaboração com a autora cambojana Loung Ung, baseia-se em suas memórias como sobrevivente do massacre orquestrado pelo Khmer Vermelho, que dominou o Camboja de 1975 a 1979. Na narrativa, Ung recorda a ascensão de Pol Pot, cuja brutalidade resultou em um êxodo forçado de cidadãos e em um genocídio que dizimou cerca de um quarto da população em um intervalo de poucos dias. A trama é filtrada pelas experiências de Loung, então com cinco anos, imersa no caos do regime de Pot.
A perspectiva infantil poderia sugerir uma abordagem romântica ou fantasiosa da tragédia, mas a cuidadosa pesquisa histórica empreendida por Jolie garante uma representação rigorosa e impactante. A diretora tem uma ligação profunda com o Camboja, país que a marcou durante as filmagens de “Lara Croft: Tomb Raider” (2001) e onde adotou seu filho mais velho, Maddox. Essa conexão pessoal se reflete no retrato íntimo de Loung, cuja história de perda do pai remete aos próprios desafios familiares enfrentados por Jolie.
Durante as duas horas e dezesseis minutos do filme, o público acompanha os esforços da família Ung em campos de trabalho forçado, chamados ironicamente de unidades de reeducação. Nesse ambiente, a paisagem fértil e o sol ofuscante contrastam com as sombras projetadas pela opressão e pela morte iminente, um contraste capturado magistralmente pela fotografia de Anthony Dod Mantle. O visual, repleto de simbolismos, enfatiza a dicotomia entre a aparente beleza da natureza e a crueza da condição humana sob a tirania.
O desempenho de Sareum Srey Moch, que encarna Loung Ung, é essencial para transmitir o peso emocional do filme. A menina presenciou a tomada de Phnom Penh aos cinco anos e escapou do domínio comunista aos sete, carregando lembranças de violência, fome e morte. Sua infância, como a de muitas outras crianças, foi marcada por atividades impensáveis, como o manuseio de armas e minas terrestres, e o combate corpo a corpo com soldados vietnamitas, retratando uma realidade onde a inocência foi trocada pela sobrevivência.
A narrativa também tece comentários sobre a intervenção americana e a queda de poder que permitiu ao Khmer Vermelho ascender. Imagens de cinejornais da época ilustram os bombardeios que devastaram as florestas e um contexto político onde os Estados Unidos, derrotados na Guerra do Vietnã, hesitaram em se envolver novamente. Essa relutância, justificada por Nixon com a alegação de um conflito interno entre cambojanos e vietnamitas, é uma das razões do genocídio ter seguido sem intervenção ocidental. As declarações do secretário de Estado, Henry Kissinger, evocando uma “solução final”, ecoam sombriamente a retórica nazista que levou ao Holocausto.
A protagonista vivia uma infância estável e confortável em Phnom Penh, com sua família estruturada e lar moderno, até a chegada das tropas de Pol Pot. O Khmer Vermelho, que emergiu do Exército Popular do Vietnã do Norte, impôs uma violência que transformou o cotidiano da população em um pesadelo, comparável aos horrores nazistas. Os campos de reeducação, onde o esforço físico extenuante e a fome eram armas silenciosas, representaram o fim de qualquer vestígio de normalidade para os Ung e milhares de outros.
“First They Killed My Father” transcende a representação de um simples conflito, tornando-se um retrato do desespero familiar e da resiliência em meio ao desmoronamento da ordem. Através de flashbacks que evocam momentos de felicidade, Jolie cria respiros de humanidade em uma trama dura. Esses lampejos reforçam a perda irreversível da inocência, evidenciada pelo título e pelo desenvolvimento da história.
Jolie investiu em uma abordagem minuciosa, sem se esquivar de questões complexas, mesmo que isso incluísse omitir alguns pontos das tensões com os vietnamitas para destacar o papel dos Estados Unidos no contexto. Essa escolha conferiu ao filme um teor crítico e mostrou sua habilidade em evitar uma simples imitação de clássicos como “Apocalypse Now” ou “Sete Anos no Tibete”. Com uma direção marcada por consistência e apuro técnico, Jolie reafirma seu potencial de contar histórias impactantes com sensibilidade e visão própria.
★★★★★★★★★★