Filmes despretensiosos podem ter lá sua graça. Eddie Murphy pavimentou a estrada por onde correm Kevin Hart e Ice Cube em “Policial em Apuros”, sobre dois conhecidos que precisam entender-se quando um deles resolve cair de amor pela irmã do outro, dando azo a circunstâncias tão suspeitas quanto absurdamente engraçadas nesta comédia policial dirigida por Tim Story. Embora aqui se tenha dois protagonistas e não apenas um, o suficiente para fazer da franquia “Um Tira da Pesada” (1984-2024) um estrondoso sucesso, o roteiro de Greg Coolidge, Phil Hay e Jason Mantzoukas tem o condão de distribuir as sequências de modo equânime, dando todas as condições para que Hart e Ice Cube pirem e estabeleçam a tabelinha que confere um ritmo à parte numa história naturalmente vesana.
Indivíduos comuns, cuja banalidade afronta o mais simplório dos homens, passam por matadores de aluguel, assassinos impiedosos que levam seu ofício a sério e não dispõem de tempo nem de vontade para brincadeiras ou outras dispensáveis interações sociais. Mesmo assim, tudo em “Policial em Apuros” é leve, com suas referências a “Shaft” (2019), do próprio Story, derivação cheia de personalidade dos longas de 1971 e 2000 dirigidos por John Singleton (1968-2019) e Gordon Parks (1912-2006), respectivamente, tomando por base o personagem criado por Ernest Tidyman (1928-1984), protagonista do romance que ganhou o mundo em 1970. Ben Barber, o personagem de Hart, não é policial, mas quer ser, e para isso esmera-se como um segurança escolar, cujo temperamento se parece muito mais com o de uma professora do jardim de infância. O James Payton de Ice Cube é um sujeito tranquilo, durão no trabalho, mas que não gosta da ideia de a irmã, Angela, vivida por Tika Sumpter, juntar os trapinhos com Ben.
Se em “Cegos, Surdos e Loucos” (1989) Arthur Hiller (1923-2016) faz com que Gene Wilder (1933-2016) e Richard Pryor (1940-2005) equilibrem-se entre cenas de humor “fácil”, pastelão sem chantili, e as blagues mais refinadas, raspando em tópicos a exemplo de racismo, misoginia, drogadição e, por natural, capacitismo — que se conhecia por outro nome — dominam a cena, em “Policial em Apuros” Hart e Ice Cube se saem bons discípulos, em piadas escatológicas com considerações sobre… racismo, misoginia, drogadição e capacitismo. Voltando ao princípio, a intenção de Story é fazer rir, e ele consegue, graças a vocação para o besteirol de Hart e Ice Cube, nessa ordem. No fundo, este é um filme de amor. E o amor é o ridículo da vida.
★★★★★★★★★★