Filmes que tratam as condições neurodivergentes com a honestidade e a bem-vinda crueza de “Meu Filho, Nosso Mundo” ainda são raros — o que não significa que não existam clichês aqui. Tony Goldwyn elabora um drama de família com os dois pés fixos na vida como ela é, o que, claro, descortina uma pletora de situações pitorescas, engraçadas, aflitivas, que o diretor retrata sem concessões. O roteiro de Tony Spiridakis não tem nenhuma intenção de aliviar e cutuca a ferida com a propriedade de quem sabe do que está falando.
Pai de um portador do transtorno do espectro autista, Spiridakis colocou para fora anos de autorrepressões e um luto prolongado, dolorido, que jamais teria fim se não entendesse que seu papel não era “curar” o filho, mas aceitá-lo, o que, convenhamos, não é tão simples assim. Goldwyn mira o autismo, mas não deixa de mostrar também seus efeitos sobre quem está por perto, gente com suas próprias dores e urgências.
Max, um ex-roteirista de comédia caído em desgraça, tenta recolocar-se no cenário artístico ainda que saiba que terá de cortar um dobrado para conseguir outra chance. Seu temperamento errático o levou a atitudes irrefletidas, como partir para cima do comediante Conan O’Brien, e agora Jayne, a agente vivida por Whoopi Goldberg, está quase desistindo dele. Quando sai do trabalho, depara-se com as queixas da ex-mulher, Jenna, que fora chamada pela diretora da escola de Ezra, o filho deles, a uma reunião porque o garoto agrediu outro aluno.
Como se nota, o jeito destrambelhado de Max resolver seus problemas reflete-se na criança, e pouco depois o diretor começa a esmerar o arco dramático que explica muito da inconstância do personagem. Stan, o pai de Max, também poderia ter ido na carreira de chef de cozinha, mas nunca fora capaz de tolerar situações de estresse contínuo e também perdeu o controle. O encontro entre Max, Jenna e a diretora evolui da pior forma, e, além de ter de se desligar da escola, Ezra vai parar no hospital. É aí que Goldwyn junta esses dois segmentos da história, distintos, mas complementares, fazendo com que Max durma uma noite na cadeia e encare de novo alguns fantasmas de seu passado.
A cada cena, Bobby Cannavale arruma um modo de aumentar o interesse do espectador. Se num primeiro movimento, o longa se fixa em recortes específicos da vida de Max, como se ele fosse um móvel cheio de gavetas, a partir do segundo ato “Meu Filho, Nosso Mundo” revela faces menos óbvias desse pai amoroso, mas pleno de inadequações, tentando se superar não por si, mas pela pessoa que mais ama no mundo.
Como no episódio da prisão, Spiridakis estica a corda, aludindo a uma nova insânia de Max (essa, sim digna de punição severa), e a interação de Cannavale e William A. Fitzgerald, autista na vida real, absolve todos os excessos — malgrado os desempenhos aplicados e generosos de Rose Byrne e Robert De Niro mereçam atenção. Catártico, “Meu Filho, Nosso Mundo” é um filme para qualquer um que não se acomoda com as barreiras entre os seres humanos. Para qualquer um que pense que o amor importa.
★★★★★★★★★★