Baseado no livro homônimo “Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva, o novo filme de Walter Salles, de mesmo nome, retrata de forma íntima e sensível a trágica história da família Paiva. Numa casa na praia do Leblon, no Rio de Janeiro, Eunice Paiva (Fernanda Torres) e Rubens Paiva (Selton Mello) residiam. Rubens era engenheiro e ex-deputado, e Eunice era dona de casa.
No começo do filme, a alegria da família Paiva transborda pela tela do cinema. As risadas, músicas, brincadeiras na rua e almoços de fim de semana com suflê de queijo fazem com que tudo nos lembre um pouco da nossa própria família e das nossas memórias de infância.
A casa dos Paiva estava sempre cheia. Primos, tios e amigos estavam sempre presentes, e os cinco filhos do casal eram profundamente amados e privilegiados. Veroca (Valentina Herszage), a filha mais velha, estava prestes a viajar para Londres e passar um tempo lá, na casa de amigos da família.
Numa tarde de feriado, os Paiva estavam reunidos na sala assistindo a um vídeo da viagem enviado por Veroca. De repente, um grupo de homens armados bate à porta da casa da família e pede a Rubens que os acompanhe, dizendo que ele precisa responder a algumas perguntas. Com muita tranquilidade, Rubens diz a eles que precisa apenas trocar de roupa. Ele sobe até seu quarto, veste um terno, despede-se da esposa e dos filhos e sai pela porta de casa, com a promessa de que até o fim do dia estaria de volta.
Rubens foi até o local dirigindo seu próprio carro, escoltado por dois agentes. Aquela foi a última vez que Eunice viu seu marido e a última vez que os filhos viram o pai. No dia seguinte, Eunice e Eliana (Luiza Kosovski), uma das filhas do casal, também foram levadas para o quartel, sob a justificativa de que precisavam responder a algumas perguntas. Mãe e filha são obrigadas a cobrir o rosto com um capuz e, ao chegarem ao local, Eunice pergunta por seu marido a todo momento, mas nunca obtém uma resposta.
A visita ao quartel para uma breve entrevista transforma-se numa prisão de 10 dias para Eunice. Depois disso, quando Eunice volta para casa, nada mais é como antes, e ela começa uma busca incessante para descobrir o paradeiro de seu marido, enquanto os filhos continuam perguntando pelo pai.
As crianças ficam cada vez mais assustadas e aflitas, tentando entender o que está acontecendo, mas Eunice quer protegê-los ao máximo. Agora, Eunice não é apenas a mãe divertida que empresta roupas bonitas para a filha e faz suflê de queijo aos fins de semana. Agora, Eunice precisa ser a tomadora de decisões importantes, a protetora da casa e a resistência máxima contra os ataques e ameaças à sua família.
Apesar da dor, a vida continua, e Eunice precisa encontrar uma forma de sobreviver em meio ao caos. Eunice faz depoimentos para o jornal, junta dinheiro, vende sua casa no Rio de Janeiro e afasta os filhos do problema. Quando finalmente a poeira baixa, a família percebe que Rubens não voltará.
O nascimento de um clássico
Além do grande trunfo de construir um filme fiel à realidade, com uma pesquisa bem elaborada e uma escolha fantástica de elenco, o grande acerto de Walter Salles é criar uma obra profundamente pessoal, que permanece nas nossas entranhas por um bom tempo. Os personagens são tão reais que é impossível não se colocar no lugar de Eunice e de seus filhos. É impossível não se imaginar crescendo sem um pai ou tendo que criar cinco filhos sozinha porque seu marido foi brutalmente assassinado.
Quão doloroso deve ser esperar seu pai voltar para casa e, depois de anos esperando, descobrir que ele foi torturado até a morte no mesmo dia em que saiu de casa? Para piorar, nunca teve seu corpo encontrado, assim como muitos outros no período da Ditadura Militar.
A atuação brilhante de Fernanda Torres nos faz torcer pela vitória de Eunice até o último segundo. O desejo de vê-la em paz, feliz e recuperada permeia-nos do início ao fim, mas nunca conseguimos de fato perceber que ela venceu. Porque, mesmo conseguindo se tornar advogada e lutar pelos direitos humanos, Eunice, em seu íntimo, nunca mais foi verdadeiramente feliz.
Sem dúvida, a cena mais triste do filme é quando Eunice leva seus filhos para tomar sorvete no dia em que descobre que seu marido morreu. O olhar de tristeza de Eunice ao ver as outras famílias se divertindo e conversando é uma facada brutal no peito. Seu olhar marejado e saudoso deseja desesperadamente que seu marido retorne e, principalmente, que tudo volte a ser como era antes.
O nó na garganta permanece durante o filme inteiro, e a sensação de vazio é inevitável. A sequência de imagens da família na praia, filmadas com uma câmera Super 8, traz um sentimento de nostalgia e uma última esperança de que tudo poderia ter sido diferente, mas não foi. Por que Rubens entrou naquele carro? Por que não foram para Londres junto com Veroca? Por que ele não tentou fugir? Essas e outras perguntas, que infelizmente já sabemos a resposta, continuam pairando em nossos pensamentos depois que os créditos sobem e a tela do cinema se apaga.
“Ainda Estou Aqui” é um filme essencial para todos os brasileiros. Não há como fugir do nosso passado, nem fingir que nada aconteceu. É preciso lembrar do que foi feito para que isso nunca mais aconteça novamente.
★★★★★★★★★★