Releitura de romance de Jane Austen, na Netflix, impactou a cultura pop e marcou gerações Divulgação / Paramount Pictures

Releitura de romance de Jane Austen, na Netflix, impactou a cultura pop e marcou gerações

Jane Austen, ícone da literatura britânica, surpreendentemente tornou-se uma fonte de inspiração para a cultura pop quase dois séculos após sua morte. Um exemplo curioso disso é “As Patricinhas de Beverly Hills”, filme que revisita de forma leve e moderna o clássico “Emma” (1815), onde Austen cria uma personagem aristocrática e superficial que acaba revelando um talento especial em um meio dominado por frivolidades.

A transposição da história para o universo adolescente californiano, feita por Amy Heckerling, resulta em um conto peculiar, que, embora distorça o propósito inicial da autora, ainda mantém algo de seu espírito crítico e perspicaz. Em vez de Emma, a protagonista é Cher Horowitz, jovem rica e presunçosa, que explora e satiriza o mundo ao seu redor, lembrando, mesmo que de forma distante, as reflexões de Austen sobre a sociedade inglesa do início do século 19.

Austen escreveu “Emma” nos anos finais de sua vida, quando já sofria os primeiros sinais da doença de Addison, que pouco se conhecia na época e que, em última análise, seria a causa de sua morte precoce em 1817. Este estado talvez tenha aguçado sua vontade de criticar abertamente a sociedade, algo que a autora fez com maestria e sutil ironia. O espírito de Emma é em parte preservado em Cher, que, embora adaptada para um ambiente mais atual, compartilha características da heroína original.

Rica, bela e convencida, Cher acredita que todos ao seu redor devem seguir seus caprichos. No filme, seu pai, Melvin Horowitz, um advogado de sucesso da Costa Oeste interpretado por Dan Hedaya, vê na filha uma jovem indefesa, necessitada de seu constante cuidado, enquanto ela, imersa em seu universo de grifes, vive como uma eterna adolescente despreocupada.

A narrativa de Heckerling se aprofunda no cotidiano de Cher e em sua tentativa de unir aqueles ao seu redor em um universo onde as regras parecem não se aplicar. Josh, interpretado por Paul Rudd, seu meio-irmão, é uma figura que equilibra essa futilidade com um toque de sensatez. Cher é cercada por amigos que refletem o cenário e a diversidade social do colégio em que estuda.

Dionne Davenport, vivida por Stacey Dash, é a amiga inseparável de Cher, sua contraparte, embora com um temperamento mais forte. Juntas, formam um dueto que encapsula o espírito anárquico de muitas produções dos anos 1980 e 1990. Este cenário, quase caricatural, confere ao filme um charme nostálgico, que vai além do enredo e permeia a atmosfera, refletindo uma era em que as convenções eram constantemente desafiadas.

Um dos motes centrais da trama é a tentativa de Cher de fazer dois professores da escola se apaixonarem, numa tentativa de aliviar a pressão sobre os estudantes. A relação entre os professores, Wendell Hall e Toby Geist, é quase uma metáfora para a visão de Cher sobre o mundo, onde o controle e a manipulação são as chaves para o sucesso social.

Ao conquistar esse feito, Cher se sente ainda mais autoconfiante e repleta de direito aos privilégios que a vida lhe proporciona. Contudo, essa jornada de pequenas conquistas é interrompida pela chegada de um desafio que coloca em perspectiva sua visão de mundo.

Esse obstáculo vem na figura de Tai Frasier, uma novata que chega à escola com uma aparência e um comportamento que desafiam os padrões locais. Brittany Murphy, que dá vida à personagem, constrói uma relação divertida e inesperada com Cher, revelando facetas menos previsíveis da protagonista.

Embora o filme incorra em uma série de clichês e perca intensidade na metade final, a interação entre Silverstone e Murphy preserva uma certa vitalidade, destoando da correção política que muitas vezes marca as produções mais recentes. “As Patricinhas de Beverly Hills” captura uma era em que as jovens de Beverly Hills, e de outros lugares, possuíam um brilho e uma irreverência próprias que hoje raramente se encontram.

Filme: As Patricinhas de Beverly Hills
Diretor: Amy Heckerling
Ano: 1995
Gênero: Comédia/Romance
Avaliaçao: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★