Em “Um Divã para Dois”, o amor conjugal é abordado como uma substância que, para resistir ao tempo, precisa constantemente se transformar. Na trama, Kay, uma esposa dedicada e perseverante, tenta salvar seu casamento com Arnold, mas sente que seu esforço é solitário e, talvez, insuficiente para desfazer anos de rotina desgastante, onde o afeto parece ter cedido espaço para a apatia e o distanciamento. O diretor David Frankel, então, oferece uma solução inesperada, levando o casal para uma jornada de autodescoberta e reaproximação que, de outro modo, jamais teriam experimentado — um ambiente onde a relação pode ser oxigenada, permitindo que sentimentos reprimidos se reacendam.
Frankel aposta na escolha de Meryl Streep e Tommy Lee Jones, atores de grande calibre, para dar vida a esse casal que precisa superar suas diferenças profundas. Para convencer o público da autenticidade dessa relação, o diretor adota uma abordagem cautelosa, impedindo que o carisma individual dos atores domine as cenas, favorecendo uma atuação que só faz sentido quando observada em conjunto. Esse equilíbrio é fundamental para que se entenda o que os teria mantido unidos por mais de três décadas, apesar das barreiras emocionais e do distanciamento progressivo ao longo dos anos.
Embora “Um Divã para Dois” não almeje grandes pretensões, o roteiro de Vanessa Taylor revela em seus primeiros minutos a profundidade da distância entre Kay e Arnold. Em uma cena inicial, Kay se observa diante do espelho, vestida em uma camisola azul, hesitando antes de bater à porta do quarto onde o marido lê, imerso em seu próprio mundo. Logo, descobre-se que Arnold trocou o leito matrimonial pelo quarto de hóspedes décadas atrás, após uma lesão nas costas, sem nunca retornar.
A razão inicial desapareceu, mas a nova rotina persistiu, alimentada por uma sucessão de pequenos incômodos e enfermidades que Arnold passou a evocar como justificativas. Ver Streep no papel de uma mulher madura tentando revitalizar seu relacionamento traz à memória outros de seus personagens icônicos que exploraram temas semelhantes, como nos filmes “As Pontes de Madison”, “Simplesmente Complicado” e “O Diabo Veste Prada”, onde diferentes nuances da vida conjugal são retratadas.
A grande revelação do filme vem com Tommy Lee Jones, que assume o papel de um homem rígido e contido, cheio de tabus e resistente a mudanças. É quase impossível dissociar sua figura do icônico agente de “Homens de Preto”, mas aqui ele esculpe um personagem de camadas complexas, que simultaneamente reproduz e desafia estereótipos, especialmente ao encarar a possibilidade de uma terapia de casais que custa milhares de dólares. Esse ponto marca a transição para uma narrativa que mescla tragédia e comédia, onde o espectador acompanha o casal em uma tentativa de renovação do amor e da intimidade.
A trama atinge seu ponto alto quando Kay e Arnold vão a Hope Springs, uma pequena cidade no Maine, para encontros com o terapeuta Dr. Feld, interpretado por Steve Carell. Nesse cenário, o filme encontra seu ritmo e aprofunda a dinâmica entre os personagens. Carell traz ao personagem Feld uma tranquilidade que contrasta com o nervosismo e a insegurança dos protagonistas, o que acaba amplificando a complexidade das suas interações. A segurança com que Frankel conduz seus atores permite que a narrativa toque o patético e o arriscado sem deslizar para o clichê. Em uma cena marcante, por exemplo, Kay tenta seduzir Arnold em uma sala de cinema, numa tentativa desajeitada de reacender a paixão de outrora, e o embaraço do momento revela tanto a fragilidade quanto a esperança que ainda resta entre eles.
O desfecho, com uma cena que demonstra a reconciliação sincera do casal, sela a proposta de Frankel sobre o casamento como uma aposta em que, uma vez feita, deve-se lutar pelo prêmio. “Um Divã para Dois” não oferece soluções mágicas, mas mostra que, ao enfrentar medos e limites pessoais, a chama de uma relação pode ser reavivada mesmo após décadas de distanciamento.
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