O thriller policial “White Boy Rick”, dirigido por Yann Demange e disponível na Netflix, explora a conturbada história de um adolescente que, aos 14 anos, se envolveu com o tráfico de drogas e, recrutado como informante pelo FBI, terminou condenado à prisão perpétua. O protagonista, Rick (Richie Merritt), cresceu em um ambiente desestruturado em Detroit. Ele mora com o pai, Richard Wershe Sr. (Matthew McConaughey), um vendedor de armas ilegais que tenta sobreviver com negócios obscuros enquanto cuida de dois filhos. A mãe os abandonou, e a irmã de Rick, Dawn (Bel Powley), luta contra o vício em drogas, afastando-se da família para enfrentar uma trajetória própria e conturbada.
Desde cedo, Rick vive à margem da sociedade, envolvido em pequenos delitos e carregando uma arma sem registro. A vida do jovem muda quando um agente do FBI, em uma visita casual, enxerga potencial para usá-lo como informante. Em seguida, Rick é convidado a se infiltrar em uma gangue de traficantes locais para fornecer informações valiosas aos federais. A convivência com o crime, no entanto, o transforma. Ao mesmo tempo em que trabalha como informante, Rick também começa a traficar, acumulando uma renda antes inimaginável.
Aos 17 anos, após anos de colaboração, o FBI decide dispensá-lo. Sem proteção ou apoio, Rick é acusado de tráfico de drogas. A justificativa oficial para a sua prisão se baseia no argumento de que a agência nunca o incentivou a vender entorpecentes, apenas a fornecer informações. Ambientado nos anos 1980, o filme recria o período com precisão, evocando um clima nostálgico, marcado pelos estilos icônicos da época, como bigodes fartos, jeans surrados e penteados mullet.
Embora o enredo centralize em Rick, interpretado pelo estreante Richie Merritt, é Matthew McConaughey quem realmente brilha. Com uma atuação multifacetada, McConaughey dá vida a um pai que, mesmo preso em dilemas morais, é capaz de se sacrificar pelo filho. Ele encarna Richard Wershe Sr. com uma intensidade única, misturando traços de desespero, fragilidade e um amor incondicional que, apesar dos erros, humaniza o personagem. Já Bel Powley oferece uma performance crua e intensa como Dawn, uma jovem consumida pelo vício e pela busca de sentido em meio a uma vida quebrada.
A narrativa foca na perda da juventude de Rick, que foi forçado a amadurecer em um contexto onde a sobrevivência demandava sacrifícios e perigos. Ele foi usado como peão em uma tentativa do FBI de capturar traficantes e agentes corruptos. No entanto, o filme também revela o tratamento controverso dado a Rick pelo sistema judiciário. Como um adolescente branco em uma comunidade majoritariamente negra, sua condenação exemplar à prisão perpétua sugere a criação de um símbolo para o estado de Michigan, numa tentativa de endurecimento penal que, paradoxalmente, ignora criminosos com delitos mais graves, mas penas mais brandas.
A atuação de Richie Merritt, que retrata Rick com uma ingenuidade sombria, realça o paradoxo do jovem que, em nome da sobrevivência, é empurrado para o submundo do crime. A trama suscita uma reflexão amarga sobre o sistema de justiça, questionando julgamentos arbitrários e punições desproporcionais. Não conhecemos o verdadeiro Rick em profundidade, mas o roteiro nos faz questionar as decisões de uma justiça que, muitas vezes, parece atuar com parcialidade.
Apesar de alguns momentos menos intensos, “White Boy Rick” compensa com uma estética elaborada. A direção de Demange, que também assinou o intenso “71: Esquecido em Belfast”, constrói uma narrativa visual atraente, com figurinos cuidadosamente produzidos e uma fotografia impactante. Essa produção, embora não seja revolucionária, possui uma abordagem estilística que enriquece a história, revelando o talento de Demange para ambientar suas obras em atmosferas cheias de tensão e autenticidade.
★★★★★★★★★★