A crescente capacidade tecnológica nos leva a especular que a trama de “O Fabricante de Lágrimas” pode um dia sair das páginas para a realidade. Neste best-seller da escritora italiana Erin Doom, publicado em 2021, nos deparamos com um futuro distópico em que a capacidade humana de chorar se perde em meio a uma sociedade insensível e sobrecarregada de sofrimentos. Nessa história, cabe ao “fabricante de lágrimas” recriar, em peças de cristal, o que antes brotava naturalmente das emoções humanas. Doom explora a natureza das dores mais profundas, transformando o ato de chorar em algo raro e quase mitológico.
Alessandro Genovesi, na adaptação dessa obra para o cinema, caminha entre o fantástico e a realidade ao narrar a relação quase oculta de duas crianças em um orfanato, onde crescem marcadas por tragédias e carregando cicatrizes emocionais. Doom capta a magia delicada que seduz tanto adolescentes quanto jovens adultos, infundindo o filme com diálogos muitas vezes açucarados. Ainda assim, Genovesi consegue contrabalançar esse tom com cenas que oscilam entre o sombrio e o luminoso, revelando a constante dança de encontros e desencontros dos protagonistas, à medida que exploram sentimentos intensos e conflituosos.
A jornada de autoconhecimento, especialmente após traumas, é longa e desafiadora, e em muitos casos nem mesmo uma vida inteira é suficiente para curar as feridas mais profundas. Nessa fase essencial da vida, carregada de descobertas e de uma melancolia única, experimentamos alegrias efêmeras e solidões que parecem intransponíveis. Cada um enfrenta batalhas silenciosas que alimentam sombras interiores, enquanto, por outro lado, uma esperança inesperada surge, trazendo alento e renovando as perspectivas.
Superar as provações que a vida impõe desde cedo exige sacrifícios que nem sempre estamos prontos a enfrentar. A existência, por vezes, assemelha-se a um jogo imprevisível e cruel, onde eventos repentinos e dolorosos podem mudar completamente o rumo de uma vida. Um destino trágico, que se revela de forma súbita, pode abalar qualquer um, assim como uma doença grave surge e corrói um organismo saudável. A dureza das adversidades, mesmo que gradualmente, consegue envolver a todos.
Após dez anos no orfanato Grave, Rigel e Nica percebem a intensidade de seu sentimento um pelo outro, ainda que tal atração proibida tenha se manifestado muito antes. Genovesi sabe manter o suspense ao explorar as lembranças turbulentas dos personagens, que se questionam se teriam sido felizes em outro cenário. Eventualmente, Nica é adotada por uma família que também conhece a dor da perda, e a narrativa se aprofunda no momento em que Rigel se encontra em uma cena emocional ao piano, evocando o vínculo que ambos tentaram superar.
A atuação de Simone Baldasseroni (o rapper Biondo) e Caterina Ferioli dá vida a essas almas perturbadas que buscam paz em meio ao caos emocional. No entanto, por mais que se esforcem, a força da narrativa de Doom se revela mais adequada às páginas do romance do que ao cinema. A adaptação carece da sutileza e da intensidade que a imaginação de um leitor é capaz de alcançar, tornando-se uma sombra da grandiosidade original do livro.
★★★★★★★★★★