Poucos povos compreendem a essência do apocalipse como os alemães. Conhecidos pela disciplina e por uma paixão discreta por cerveja, os alemães revelam sua complexidade cultural quando o assunto é cinema. A produção audiovisual do país é rica e multifacetada, desafiando qualquer visão simplista. As histórias alemãs projetadas na tela refletem características do povo, mas é evidente que nenhum grupo humano pode ser reduzido a um único comportamento. Esse cinema, que tanto dialoga com o modo de vida germânico quanto se distancia dele, não se limita a narrativas políticas.
Ainda assim, o nazismo figura como uma fonte inesgotável de inspiração para cineastas como Moritz Mohr, responsável pela distopia singular “Contra Todos”. Trabalhando ao lado de Tyler Burton Smith e Arend Remmers, Mohr constrói uma crítica feroz e relevante à sociedade do espetáculo, à mídia e ao desencanto que permeia a juventude contemporânea, muitas vezes à mercê de sistemas opressivos e destrutivos.
A narrativa acompanha um jovem sem nome que rememora os tempos felizes em que partilhava o café da manhã com a família, saboreando Frosty Puffs, o cereal que, ironicamente, patrocina o regime totalitário que agora elimina dissidentes. O anti-herói, interpretado por Bill Skarsgård, busca justiça após o assassinato de sua família, um crime ordenado por Hilda Van Der Koy. Hilda, uma líder autoritária, instaurou o Abate, um espetáculo de terror que subjuga a cidade.
Sob o codinome Boy, o protagonista emerge das sombras da floresta, alimentando-se de insetos, até se transformar num guerreiro implacável. A trama, impregnada de niilismo, evoca o espírito subversivo de “Laranja Mecânica” (1972), a obra-prima de Stanley Kubrick baseada na visão distópica de Anthony Burgess. No entanto, a força de “Contra Todos” reside também em seus coadjuvantes, especialmente Hilda, que ganha camadas de complexidade através da performance de Famke Janssen. Boy, por sua vez, é atormentado por visões de Mina, sua irmã falecida, papel de Quinn Copeland, que intensifica o conflito interno do personagem.
Esse filme é uma adição notável à tradição germânica de explorar temas sombrios com rigor filosófico. Obras como “Quatro Minutos” (2006), de Chris Kraus, “Nós Somos Jovens, Nós Somos Fortes” (2014), de Burhan Qurbani, e “E Amanhã… O Mundo Todo” (2020), de Julia von Heinz, são evidências de um movimento coeso. O cinema alemão do século 21 mantém seu compromisso com a verdade, sem ceder a consensos fáceis ou fórmulas previsíveis. Cada obra, impregnada de um pessimismo afiado, reflete a vontade inquebrantável de confrontar questões sociais e existenciais, sempre com uma assinatura inconfundivelmente germânica.
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