Poucos cineastas têm a habilidade de explorar as complexidades silenciosas e devastadoras das relações humanas como Lukas Dhont. Em “Girl” (2018), inspirado na vida real da bailarina Nora Monsecour, o diretor belga confronta questões delicadas com uma honestidade que incomoda e provoca reflexões profundas. Já em “Close”, Dhont adota uma abordagem ainda mais sutil, porém igualmente arrebatadora, desvendando os traumas escondidos nas nuances da amizade juvenil. Aqui, a violência não é explícita, mas se manifesta de maneira devastadora na forma de preconceito, incompreensão e covardia diante da vulnerabilidade alheia.
O roteiro, desenvolvido em parceria com Angelo Tijssens, apresenta uma narrativa que, desde o início, antecipa um desfecho perturbador. Dhont constrói a tensão com uma precisão cirúrgica, revelando, aos poucos, os elementos que corroem a relação entre os protagonistas. A direção de fotografia de Frank van den Eeden, marcada pelo uso meticuloso da luz natural, intensifica a experiência visual, sublinhando os contrastes emocionais com uma beleza melancólica. A combinação de elementos técnicos e artísticos transforma a trama em um espelho inquietante das sombras que habitam o espírito humano, um reflexo que desafia o espectador a confrontar seus próprios preconceitos e inseguranças.
A amizade entre Léo e Rémi, os jovens protagonistas, é retratada com uma intensidade quase palpável. Criados em uma pacata comunidade rural belga, eles compartilham uma intimidade que ultrapassa as barreiras convencionais, despertando reações diversas nos que os cercam. Em uma das cenas mais emblemáticas, os dois correm por um campo de flores, sob a luz suave do amanhecer, um momento de liberdade e pureza que sugere sentimentos mais profundos. Sem recorrer a explicações óbvias, Dhont permite que o público interprete a relação entre os garotos de acordo com suas próprias vivências e convicções.
Essa ambiguidade narrativa provoca desconforto e divide opiniões. Alguns espectadores questionam a passividade dos pais diante da proximidade dos meninos, enquanto outros enxergam na suspeita de uma conexão amorosa um reflexo dos tabus e estigmas que permeiam nossa sociedade. Independentemente da perspectiva adotada, a evolução do enredo deixa claro que os desafios enfrentados por Léo e Rémi são universais, transcendendo a questão específica de sua amizade para abordar temas mais amplos, como identidade, aceitação e os impactos da pressão social.
O ponto de virada ocorre quando Léo percebe que seu vínculo com Rémi está sendo alvo de comentários maldosos na nova escola. Essa tomada de consciência o leva a se distanciar do amigo, numa tentativa desesperada de se conformar às expectativas alheias. A interpretação de Eden Dambrine é impressionante, capturando com profundidade a luta interna de Léo, enquanto Gustav de Waele traduz, com igual intensidade, a dor crescente de Rémi. O afastamento entre os dois é retratado com uma sensibilidade que torna o inevitável clímax ainda mais devastador.
Na reta final, “Close” entrega um dos momentos mais emocionantes do cinema recente: o confronto entre Léo e Sophie, mãe de Rémi, interpretada de maneira extraordinária por Émilie Dequenne. Em um diálogo carregado de tensão e arrependimento, Dhont opta por uma resolução que, em vez de intensificar o sofrimento, oferece um vislumbre de redenção. A escolha por um desfecho mais suave não diminui o impacto da narrativa; pelo contrário, reforça a mensagem de que, mesmo em meio à dor, há espaço para compreensão e cura.
Com “Close”, Lukas Dhont solidifica sua reputação como um dos grandes narradores contemporâneos, capaz de transformar histórias aparentemente simples em análises profundas das emoções humanas. O filme não só expõe as fragilidades das conexões interpessoais, mas também convida o público a refletir sobre suas próprias atitudes e julgamentos, resultando em uma experiência cinematográfica inesquecível.
★★★★★★★★★★