“Dark” é uma série que provoca reações extremas: ou você a ama ou a detesta. Isso se deve à sua estrutura que demanda paciência, boa memória e um gosto específico por ficção científica mesclada com filosofia. Mas por que recomendá-la? Porque é uma produção meticulosamente escrita, inteligente e enxuta. Com apenas três temporadas — a primeira com dez episódios e as duas últimas com oito —, “Dark” cumpre o que promete desde o início. Aqueles que se envolvem com a primeira temporada tendem a se conectar ainda mais com as seguintes, especialmente com o desfecho, que amarra habilmente todas as tramas.
A série não se preocupa em responder todas as questões levantadas. Algumas ficam em aberto, e isso é proposital. Afinal, nem tudo na vida exige explicação. Em alguns momentos, essas lacunas até servem para introduzir um alívio cômico em meio a uma narrativa que, por vezes, é extremamente densa.
O grande mérito de “Dark” é sua coesão narrativa. Todos os fios da trama são conectados de maneira impecável. Os criadores, Baran bo Odar (diretor) e Jantje Friese (roteirista), claramente tinham um plano bem delineado desde o início. Não há espaço para enrolações ou temporadas desnecessárias, como frequentemente acontece em produções como “Lost” ou “Game of Thrones”, que acabam esticando suas histórias em busca de audiência. “Dark” foge desse padrão: é uma série resoluta, que chega, entrega o prometido e encerra de forma satisfatória.
A base da série é a Teoria da Relatividade Geral de Einstein. De acordo com essa teoria, o tempo é apenas mais uma dimensão da realidade, com todos os momentos existindo simultaneamente em um continuum espaço-tempo, conhecido como universo bloco. O conceito de espaço-tempo maleável é ilustrado por analogias como um lençol ou papel que se dobra, permitindo a existência de buracos de minhoca — passagens que possibilitam as viagens no tempo. Em “Dark”, o buraco de minhoca se localiza dentro da misteriosa caverna, imagem icônica nos pôsteres da série.
A série combina essa teoria científica com o determinismo filosófico, questionando o livre-arbítrio. Se passado, presente e futuro coexistem e se repetem eternamente, será que nossas escolhas realmente importam? “Dark” mostra que, sempre que os personagens tentam alterar o passado para evitar determinados eventos, acabam, paradoxalmente, contribuindo para que esses eventos ocorram.
Para entender o básico da série, é essencial ter em mente essa combinação de ciência e filosofia. A primeira temporada pode parecer confusa devido à grande quantidade de personagens e às frequentes mudanças de época. Cada personagem transita por várias décadas, aparecendo como criança, adulto ou idoso em diferentes momentos. Essa complexidade inicial pode dar a impressão de que a história está se perdendo, mas tudo começa a se encaixar a partir da segunda temporada.
Os personagens Adam e Claudia surgem como peças centrais, manipulando os eventos como se estivessem jogando xadrez, movendo os outros personagens no tabuleiro do tempo. Na terceira temporada, descobrimos que há um terceiro jogador, cuja identidade adiciona uma nova camada à trama (evitando spoilers aqui).
O ponto de partida de “Dark” é o desaparecimento de crianças em Winden, uma pequena cidade alemã. Nos anos 1980, um menino desaparece, e décadas depois, em 2019, outro garoto, Erik, também some. Um grupo de adolescentes, amigos de Erik, decide investigar a caverna onde acreditam que ele escondeu drogas, levando consigo Mikkel, um garotinho. Após ouvirem ruídos estranhos, eles fogem, mas Mikkel desaparece. A partir daí, Jonas, o protagonista, descobre a passagem temporal e tenta salvar Mikkel, mas se depara com uma revelação: Mikkel, ao viajar para os anos 1980, cresceu e se tornou Michael, pai de Jonas.
Essa intricada rede de conexões temporais traz à tona dilemas existenciais e éticos, enquanto o público é desafiado a desvendar cada peça do quebra-cabeça. “Dark” encanta os fãs do gênero exatamente por essa complexidade, oferecendo uma experiência investigativa que recompensa a atenção aos detalhes.
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