Talvez não soubesse, mas Gabriele Pietro Amorth (1925-2016) era um discípulo de Charles Baudelaire (1821-1867). Os dois tinham a mesma opinião quanto às artimanhas do demônio e pensavam que o Pai da Mentira, astuto como ele só, ganha as muitas almas dos orgulhosos e autoconfiantes que acham melhor ignorá-lo. Tanto o autor de “Flores do Mal” (1857) como Amorth, um padre católico que ganhava a vida interrompendo as manifestações satânicas que se apropriavam do corpo e do espírito de gente vulnerável por uma ou outra razão, sabiam que o mais prudente era conhecer seus anseios o máximo possível, agarrar o bicho pelos chifres, com cuidado, e, na hora certa, expulsá-lo aos gritos, obrigando-o a rumar de volta para as profundezas do inferno, de onde não tardaria a sair.
Os métodos do padre Amorth eram, claro, opostos aos do poeta francês, e “O Exorcista do Papa” dá uma boa medida do que foi a jornada terrena do segundo homem mais poderoso do Vaticano, o único capaz de, em havendo a inominável desgraça de Asmodeu dominar o trono de Pedro, arrancá-lo de lá. O terror de Julius Avery, por evidente, paga tributo ao clássico de William Friedkin (1935-2023), mas vai adquirindo cara própria, graças ao carisma do personagem, afeito a piadas até nos momentos de literais sufoco, lágrimas e ranger de dentes. Os roteiristas R. Dean McCreary, Michael Petroni e Evan Spiliotopoulos acham o equilíbrio entre a personalidade solar de Amorth e a inescapável circunspecção de seu ofício, e, quem diria, os mais atentos conseguem até rir um pouco.
Em 4 de junho de 1987, Amorth chega a Tropea, na costa leste de Calábria, pilotando sua lambreta. Um morador da cidadezinha luta contra a possessão de um demônio, sua família pensa, e o padre fora chamado a restabelecer a ordem daquele lar. Como se assiste depois, o rapaz padecia de algum distúrbio psiquiátrico, mas Roma soube da história, em seus detalhes mais picarescos — como ter sido usado um imenso porco para servir de nova morada ao suposto invasor —, e o convoca a dar satisfações em caráter irrecusável. O cardeal Sullivan, o tipo almofadinha vivido por Ryan O’Grady, conduz os trabalhos, escutando uma lição de moral após a outra, rodas merecidas, e na sequência, o filme chega ao que interessa.
Um ano depois da morte do marido, Julia se muda dos Estados Unidos para a Espanha a fim de acompanhar a reforma da propriedade suntuosa que ele deixara de herança para ela e os filhos, Amy e Henry, e então os serviços do padre Amorth serão de suma importância. A fotografia de Khalid Mohtaseb brinca com tons de cinza chumbo e azul petróleo ao longo dos intermináveis corredores do palacete, até que Avery traz à superfície a incorporação, essa, sim, verdadeira, de Henry por um parasita sobrenatural enviado diretamente das hordas de Lúcifer, evento em que se tem os palavrões, jatos de vômito e mordida mostrados por Friedkin meio século antes. Russell Crowe e Peter DeSouza-Feighoney tomam muito dos 103 minutos de projeção nessa dinâmica, que fica até engraçada à medida que o personagem de Crowe desmistifica o assunto. Sim, o mal existe, mas o diabo nunca é tão feio quanto se pinta. Eu acho.
★★★★★★★★★★