A maternidade permeia as obras de Pedro Almodóvar como um fio condutor constante. Em seu oitavo projeto com Penélope Cruz, uma parceira artística de décadas, ele encontra no enredo de “Mães Paralelas” a oportunidade de explorar mais uma vez temas complexos e intensos. A colaboração entre diretor e atriz resulta em uma fusão notável: enquanto Almodóvar pinta a trama com suas características tonalidades vibrantes, Cruz eleva o drama a um novo patamar, interpretando cada nuance do roteiro com profundidade singular.
Lançado em 2021, o filme combina elementos típicos do cineasta, como narrativas profundamente pessoais e dilemas éticos, com uma reflexão sobre a história política recente da Espanha. O longa acompanha duas mulheres cujas trajetórias, entrelaçadas por um acaso, refletem a luta feminina por autonomia e reconhecimento. Almodóvar constrói um drama envolvente, onde as reviravoltas narrativas se entrelaçam a atuações de tirar o fôlego. O roteiro transita entre momentos de introspecção e surpresas arrebatadoras, um equilíbrio que o diretor domina com maestria.
A personagem de Cruz, Janis, é uma fotógrafa em busca da maternidade, cujo ritmo de vida caótico e a urgência biológica se cruzam de forma inesperada. Após engravidar de Arturo, um arqueólogo envolvido em um projeto de exumação, Janis encontra-se em um hospital compartilhando o quarto com Ana, uma adolescente também prestes a se tornar mãe. O choque entre as personalidades das duas revela uma química inusitada: enquanto Janis é marcada por um ímpeto vibrante, Ana, vivida por Milena Smit, exibe uma calma que carrega uma carga emocional intensa, fruto de suas próprias cicatrizes.
À medida que a convivência entre as duas se aprofunda, Almodóvar conduz o público por um labirinto emocional, onde questões familiares e traumas históricos se encontram. Arturo, interpretado por Israel Elejalde, retorna em momentos cruciais, trazendo à tona segredos que moldam o destino das protagonistas. O roteiro investiga não apenas as dores e desafios da maternidade, mas também as feridas abertas de um país ainda em busca de reconciliação com seu passado.
Temas históricos, como os desaparecidos da Guerra Civil Espanhola, são abordados de maneira simbólica, com Janis buscando o paradeiro do bisavô, uma figura ausente cujo destino desconhecido ecoa na trama. Essa busca por respostas se entrelaça ao nascimento de Cecilia, filha de Janis, que serve como um catalisador para resoluções e confrontos. A metáfora do tempo e da continuidade permeia o desfecho, sugerindo que as novas gerações carregam tanto o peso quanto a esperança de um futuro transformado.
O filme, como é característico de Almodóvar, não se esquiva de confrontar o espectador com dilemas complexos, envoltos em uma estética cuidadosamente construída. A paleta de cores, liderada pelos tons de vermelho, reflete a intensidade emocional, enquanto as performances de um elenco coeso potencializam o impacto da narrativa. Cruz e Smit formam um duo cativante, enquanto Aitana Sánchez-Gijón e Rossy de Palma completam o quadro com atuações secundárias igualmente marcantes.
Com uma narrativa que se desdobra entre o mundano e o extraordinário, “Mães Paralelas” reafirma o talento de Almodóvar em criar histórias universais a partir de experiências profundamente humanas. Os braços que acolhem os vivos e enterram os mortos tornam-se símbolos de uma continuidade inevitável, lembrando que a vida persiste, mesmo diante das maiores perdas.
★★★★★★★★★★