Filmes de época têm um poder peculiar de evocar emoções inesperadas, transportando o espectador para realidades distantes e envolventes. A imersão em um passado estilizado frequentemente reveste a narrativa de um apelo irresistível. Contudo, essa viagem ao passado carrega riscos: a glamorização de figuras moralmente questionáveis. Em tempos marcados por polarizações e revisionismos históricos, certos filmes parecem oferecer uma plataforma de idolatria a indivíduos que deveriam, no mínimo, ser condenados.
Essa dinâmica torna-se evidente quando analisamos o fenômeno de figuras criminosas sendo transformadas em ícones culturais. O cinema, consciente ou não, muitas vezes contribui para essa distorção. No Brasil, “Tropa de Elite” (2007), de José Padilha, surge como uma exceção ao apresentar a corrupção e a violência de forma crua, mas sem glorificar criminosos ou enaltecer práticas ilícitas. Já “Estrada sem Lei”, dirigido por John Lee Hancock, retoma essa abordagem crítica. Diferentemente de muitas produções que quase santificam figuras como Bonnie Parker e Clyde Barrow, Hancock inverte a narrativa. Ele centra sua história nos homens que arriscaram tudo para capturar os notórios criminosos, oferecendo um contraponto necessário à mitificação de seus atos.
A tradução do título original para o português já indica nuances culturais e editoriais que merecem atenção. Enquanto “The Highwaymen” remete diretamente aos policiais que caçaram Bonnie e Clyde, “Estrada sem Lei” parece buscar um apelo mais genérico e sensacionalista. Essa mudança, embora aparentemente trivial, ilustra a diferença de perspectiva entre países e suas indústrias culturais. Em sua essência, o filme de Hancock evita cair na armadilha de romantizar os criminosos. Kevin Costner e Woody Harrelson interpretam Frank Hamer e Maney Gault, ex-policiais convocados para uma última missão. Enquanto Hamer desfruta de uma vida confortável, Gault enfrenta uma realidade miserável. Apesar de suas diferenças, ambos compartilham um senso inabalável de dever, algo raro na cinematografia que explora o submundo do crime.
A atuação de Kathy Bates como a governadora do Texas, Miriam “Ma” Ferguson, adiciona camadas de complexidade à narrativa. Bates traz uma presença imponente, equilibrando autoridade e empatia. O filme ainda presta uma homenagem à viúva de Hamer, que processou a Warner Bros. por retratar seu marido de forma deturpada em uma produção anterior. Ao incluir esse detalhe, Hancock reafirma seu compromisso com a veracidade histórica, um aspecto frequentemente negligenciado em releituras cinematográficas de eventos reais.
“Estrada sem Lei” transcende o simples entretenimento ao apresentar um relato quase documental da caçada a Bonnie e Clyde. A atenção aos detalhes, como a caracterização física e a reconstituição dos eventos, enriquece a experiência do espectador. Pequenas participações de Emily Brobst e Edward Bossert como os infames criminosos oferecem performances impactantes, ainda que efêmeras. O roteiro de John Fusco se destaca ao evitar excessos de violência gratuita, preferindo focar nas tensões psicológicas e morais que permeiam a trama.
As paisagens vastas do Texas servem como um personagem adicional, com planos-sequência cuidadosamente orquestrados que capturam tanto a beleza árida quanto a solidão do cenário. Esses elementos visuais reforçam a sensação de isolamento e desespero que permeia a perseguição, enquanto os diálogos sucintos e as interações silenciosas entre os protagonistas aprofundam a narrativa.
Costner e Harrelson, dois veteranos subestimados, brilham ao incorporar personagens complexos e contrastantes. Harrelson entrega um Gault vulnerável, mas resiliente, enquanto Costner traz uma gravidade serena a Hamer. Juntos, eles formam uma dupla cujas dinâmicas oscilam entre o humor e a melancolia, equilibrando perfeitamente a tensão e o alívio cômico.
Apesar de inevitáveis comparações com o clássico “Bonnie e Clyde — Uma Rajada de Bala” (1967), de Arthur Penn, “Estrada sem Lei” segue um caminho próprio. Ele não busca rivalizar com a estética ou a narrativa de Penn, mas sim oferecer uma correção histórica. O filme de Hancock não tem medo de afirmar que, por mais sedutora que a vida fora da lei possa parecer, suas consequências são implacáveis.
“Estrada sem Lei” é mais do que uma história de justiça. É um lembrete de que, em meio ao fascínio por figuras sombrias, é vital reconhecer aqueles que permanecem fiéis a princípios éticos, mesmo quando esses heróis passam despercebidos. Com atuações marcantes e uma direção precisa, Hancock entrega um filme que, sem dúvida, permanecerá como um registro importante de uma era e de seus protagonistas esquecidos.
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