Com Robert Rodríguez, não há meio-termo: ou gosta-se muito ou detesta-se. Um dos cineastas que mais subverte o que se convencionou denominar gênero, Rodríguez é capaz de incluir num mesmo trabalho drama, ação, mistério, comédia e ficção científica, ou até dirigir uma produção que, em correndo tudo como o previsto, vai passar o próximo século — 91 anos e 9 meses, para ser preciso — trancado num cofre, para ser levado à praça só em 18 de novembro de 2115, um centênio depois de concluído, caso de “100 Anos — Um Filme que Você Nunca Verá”, com John Malkovich como protagonista.
Rodriguez é um cineasta estranho — e sabe tirar todo proveito disso —, como prova “Alita: Battle Angel”, sua adaptação bastante pessoal para a série de histórias em quadrinhos do japonês Yukito Kishiro. O roteiro de James Cameron e Laeta Kalogridis, como não poderia ser de outro modo, investe em tecnologia para tirar a personagem-título do terreno do delírio e fazê-la crível, uma garota superpoderosa e comum a um só tempo, que corre o risco de se apaixonar, sem prejuízo de uma abordagem sociológica para seus conflitos, fundindo “Metropólis” (1927), o clássico dirigido por Fritz Lang (1890-1976), com “Blade Runner — O Caçador de Androides” (1982), o cult levado à tela por Ridley Scott.
O pavor do homem frente à decrepitude e ao fim da vida é presente na história da humanidade desde o princípio dos tempos. Talvez para nos inspirar a todos, fiéis ou não, o “Gênesis”, no Antigo Testamento bíblico, conta a história de Matusalém, patriarca da humanidade e avô do célebre Noé, que teria vivido 969 anos. Como seria possível a Matusalém alcançar tal proeza, visto que não se dispunha nem de indícios da medicina como a conhecemos hoje — moderna, arrojada, fundamentada em pesquisas que levam anos para serem concluídas — e muito menos da tecnologia de ponta que cerca (e sufoca) sociedades ao redor do mundo em campos os mais diversos, da medicina propriamente dita à biologia, passando pela engenharia e mergulhando na indústria automobilística e de cosméticos, por exemplo, é um mistério da fé.
A verdade é que o homem pós-moderno, como o vetusto personagem do “Gênesis”, sempre reivindicou sua cota de eternidade. E não é preciso ir longe para testificá-lo, dado o caráter simples de instrumentos que auxiliam-no quanto a burlar a imposição do envelhecimento e, destarte, do término da vida — em proporção maior ou menor —, como cadeiras de rodas, próteses ósseas, óculos de grau, tintas de cabelo. Rodriguez humaniza essa criatura meio gente, meio máquina dando uma aspiração romântica, “fraqueza” que Rosa Salazar, numa performance entre incomodamente racional e doce, pueril até, capta bem. Por isso, conseguimos nos identificar com ela e acreditar em “Alita: Battle Angel”.
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