A imprevisibilidade do fim da vida frequentemente se torna uma justificativa para buscas tardias por reconciliação, momentos em que antigas feridas, alimentadas por decisões impensadas e orgulhos enraizados, ressurgem como obstáculos quase intransponíveis. No cerne de “As Três Filhas”, três irmãs se isolam em um apartamento, compartilhando o espaço enquanto aguardam os últimos suspiros do pai. Trata-se de uma jornada que remete, mas não se limita, ao universo de Tchekhov, explorando a complexidade das relações familiares. Aqui, a monotonia, as diferenças irreconciliáveis e os desejos não realizados se entrelaçam, criando um cenário onde o silêncio se torna um personagem tão importante quanto os próprios protagonistas, amplificando as tensões e expondo as fissuras invisíveis.
Nas mãos de Azazel Jacobs, o texto clássico ganha uma nova roupagem, transportado para os dilemas contemporâneos, sem perder de vista sua essência. A fragilidade emocional que marca a existência humana, independente da época, é o fio condutor desta história. Jacobs constrói pontes entre o passado e o presente, ressaltando como certas questões fundamentais resistem ao tempo. O encontro entre as irmãs é permeado por hierarquias sutis e confrontos velados, que são expostos logo na cena inicial. Lá, Katie se mostra dominadora e crítica, ostentando uma aparente superioridade sobre Christina e, principalmente, Rachel. Mas enquanto elas discutem questões aparentemente triviais, uma verdade inevitável se impõe: o pai, no quarto ao lado, está à beira da morte.
Cada irmã carrega um fardo específico que define suas interações e escolhas. Katie e Christina enfrentam os desafios da maternidade em estágios distintos. Enquanto Katie lida com os dilemas de uma filha adolescente, Christina ainda desfruta das primeiras e mais leves alegrias da maternidade. Rachel, por outro lado, é a eterna rebelde: sem filhos, vivendo à margem de convenções, sustentando-se com apostas online e presa a um ciclo de vícios e solidão. Natasha Lyonne brilha intensamente ao dar vida a Rachel, elevando sua personagem ao centro da trama. Sua performance expõe, com crueza e ironia, as contradições e hipocrisias que definem aquela família fragmentada.
A narrativa de Jacobs não se contenta em apenas observar. Ela nos mergulha nas misérias pessoais de cada personagem. Vincent, o patriarca, é mostrado em seus momentos finais, oscilando entre a lucidez e um estado quase onírico. Sua presença, embora breve, é potente, e a interpretação de Jose Febus adiciona uma camada de profundidade ao retrato de uma vida à beira do encerramento. Enquanto a morte se aproxima, as verdades não ditas vêm à tona, mostrando que é apenas diante da finitude que muitos se sentem compelidos a confrontar seus erros e tentar uma reparação. É um lembrete pungente de que, mesmo quando o tempo parece esgotado, a reconciliação, embora tardia, ainda pode trazer algum consolo.
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