O Natal nunca foi unanimidade, e o cinema oferece provas à mancheia para tal constatação. Parece que grandes tragédias, íntimas e de dimensões planetárias, esperam aquele tempinho mágico definido pela última semana do ano para, afinal, romper a casca do inaudito e vir à tona, deixando um rastro de corações despedaçados, de lágrimas, às vezes de sangue. De Billy Wilder (1906-2002), com “Se Meu Apartamento Falasse” (1960), cult mais e mais atemporal, a Chris Columbus, o mago por trás do fenômeno “Esqueceram de Mim” (1990), passando por “O Grinch” (2000), dirigido por Ron Howard, e “O Estranho Mundo de Jack” (1993), de Tim Burton e Henry Selick, celebrações natalinas sempre renderam grandes histórias.
Como a humanidade caminha mesmo para o abismo da massificação de tudo, o Natal tem servido muito mais para promover marcas, artistas e os produtos que vendem ou representam, e é exatamente essa a finalidade de “Sintonia de Natal”. Inaugurando a safra de produções temáticas da Netflix, o filme de Rusty Cundieff é muito mais que a habitual coleção de lugares-comuns que a época inspira: é o vaivém enjoativo de uma premissa bolorenta, que funciona à perfeição caso você seja um fã ardoroso de um certo Pentatonix, um quinteto texano de intérpretes à capela. Se não, só mesmo o Bom Velhinho, depois de algumas doses de gim, para aguentar.
Layla mantém um namoro sereno com Tanner, de Brendan Morgan, e está viajando para passar o Natal com ele. Por causa da nevasca, o voo é cancelado e enquanto aguarda em três listas de espera, utiliza os serviços da sala exclusiva do aeroporto, graças ao cartão corporativo da empresa. Depois de se servir do bufê repetidas vezes, senta-se num grande sofá de couro marrom e beberica uma taça de vinho, observada por um homem alto, que se aproxima. Ele pede para acomodar-se perto dela e os dois conversam amenidades, até que as roteiristas Molly Haldeman e Camilla Rubis encontram o gancho para mencionar o show do tal Pentatonix, para onde Layla pretende ir com Tanner.
Ainda que não pareça inclinada ao adultério, Layla demonstra seu interesse pelo estranho, que se apresenta como James — nem vou perder tempo reproduzindo a blague sobre “A Felicidade Não Se Compra” (1946), de Frank Capra (1897-1991), e o outro James, o Stewart, um verdadeiro sacrilégio —, fala da banda e caso estivessem num lugar menos civilizado, o flerte poderia ter evoluído para algo mais tórrido. Christina Milian e Kofi Siriboe de fato têm química juntos, mas o enredo precisa seguir; só por essa razão Layla consegue finalmente embarcar e surpreende o namorado com outra. Pano longo.
De acordo com o que haviam combinado, caso estivessem solteiros, Layla e James ver-se-iam no próximo concerto de Natal do Pentatonix, e é aí que entra o quarto elemento dessa novela. Teddy, um faz-tudo profissional que continua no emprego por um fio, negligenciando o talento para a cozinha, tem de arrumar o ingresso que irá permitir que Layla vá ao espetáculo e ache o homem com quem poderia ter vivido um romance, não estivesse comprometida com o desleal Tanner. Todo mundo é capaz de prever o que acontece, e, sim, os personagens de Milian e Devale Ellis, depois de toda sorte de azáfama e mal-entendidos, terminam juntos. Mas o que o Natal tem com isso?!
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