O filme mais esperado de 2024: realismo mágico do único romance de Juan Rulfo ganha vida em uma adaptação imperdível na Netflix Juan Rosas / Netflix

O filme mais esperado de 2024: realismo mágico do único romance de Juan Rulfo ganha vida em uma adaptação imperdível na Netflix

Em Comala nem os mortos têm o descanso eterno. Essa aldeia perdida em algum lugar do estado de Colima, no oeste do México, abriga as almas que não conseguem seguir para o outro mundo, condenadas a narrar os traumas de uma modernidade predatória, vagando sem destino pelas pradarias como se à cata de alguém que as ouça. “Pedro Páramo”, a adaptação de Rodrigo Prieto para o livro homônimo publicado pelo mexicano Juan Rulfo (1917-1986) em 1955, dá movimento às paisagens fantasmagóricas pensadas pelo autor, uma inspiração declarada de mestres a exemplo de Gabriel García Márquez (1927-2014) e Mario Vargas Llosa, pródigas de lendas que a dureza da vida tratou de legitimar.

“Pedro Páramo” é o único romance de Rulfo, famoso pelos contos, e em cada cena o roteiro de Mateo Gil faz questão de frisar essa tristeza elegante do escritor, que reproduzia em seus personagens um bocado de seu laconismo, que Gil e Prieto transformam em diálogos quase sussurrados e densos, acerca de morte, amor, família, sexo, violência e desejo, tudo envolto pelo véu do mistério.

Um dos maiores desafios que viver em sociedade implica é descobrir em si mesmo algum predicado misterioso, que só nosso próprio espírito indevassável conhece, e fazê-lo percebido por todos, mas não de qualquer maneira. É preciso que se chegue com delicadeza — mesmo que tudo não passe da mais grosseira encenação —, com a tranquilidade necessária para convencer quem nos rodeia de que somos, sim, a maravilha que queremos que pensem que somos, sem contudo deixar transparecê-lo, e se possível dando a impressão de que não estamos nada interessados no que os outros hão de pensar de nós. Poucas ideias remontam a essa imagem de aproveitamento do mundo, deste e mesmo de algum outro, em que passam a habitar — agora encantados, como diria Guimarães Rosa — aquelas mulheres e homens raros que, para nós, ocuparam lugar de destaque na Terra. 

Juan Preciado cumpre o que promete a Dolores, a mãe recém-falecida, e volta a Comala, para saber do pai, o tal Pedro Páramo do título, um homem rude que fez fortuna explorando seus empregados e impondo a lei de acordo com suas conveniências. À medida que ganhava dinheiro, Pedro revelava sua natureza insanamente gananciosa, e ao menos a determinação Preciado herdou do pai, não sossegando até chegar ao povoado, um imenso cemitério, de que nem os espíritos querem se ocupar. Tenoch Huerta toma conta de quase todos os 130 minutos do longa, equilibrando-se entre a resignação de Preciado e sua vontade de ir ao inferno acertar as contas com o pai. A versão cinematográfica de “Pedro Páramo” prova que o realismo mágico de Rulfo continua matador.

Filme: Pedro Páramo
Diretor: Rodrigo Prieto
Ano: 2024
Gênero: Drama/Terror
Avaliaçao: 9/10 1 1
★★★★★★★★★