A dinâmica entre pais e filhos frequentemente transita entre momentos de proximidade e distância, marcada por conselhos e repreensões que, por vezes, parecem opostos às vivências e escolhas dos mais jovens. Essa lacuna, que vai além dos anos de diferença, reflete intenções divergentes entre gerações que, apesar de nutrirem afeto mútuo, enxergam o mundo sob lentes contrastantes. O choque entre perspectivas pode, em muitos casos, gerar consequências dramáticas em situações que poderiam ser vistas como triviais por uma visão superficial.
A adolescência representa o ápice desses conflitos, um período em que as mudanças físicas e emocionais tornam o jovem ainda mais vulnerável ao impacto do mundo externo. Com corpos em transformação — marcados por hormônios, acne e mudanças abruptas no peso ou estatura — e mentes em ebulição, os adolescentes enfrentam a complexidade de um ambiente caótico e desafiante, que coloca à prova suas inseguranças e esperanças.
No filme “Fuja”, essa tensão é explorada com intensidade. Aneesh Chaganty, em parceria com o corroteirista Sev Ohanian, constrói uma trama onde o receio parental se desdobra de forma obsessiva e inquietante. A personagem de Sarah Paulson, Diane Sherman, é mãe de Chloe, interpretada por Kiera Allen.
O longa revela, logo no início, o nascimento de Chloe, uma menina diagnosticada com múltiplas condições de saúde, como arritmia e asma, retratadas de maneira angustiante pela fotografia de Hillary Fyfe Spera, que intensifica o tom esverdeado nas cenas do hospital, reforçando o ar sombrio e melancólico. Décadas depois, Diane é apresentada como uma mãe devotada, que sacrificou oportunidades pessoais para cuidar da filha, arcando com medicamentos avançados e sessões de fisioterapia. Essa rotina de dedicação incondicional parece, à primeira vista, um ato de amor absoluto.
No entanto, a interação entre mãe e filha carrega uma carga de tensão crescente, onde o espectador percebe que essa relação está longe de ser comum. A interpretação de Allen confere complexidade a Chloe, rompendo com clichês e dando à personagem uma personalidade marcante, que se recusa a se conformar com as limitações impostas por sua condição e pela superproteção da mãe. À medida que Chloe começa a questionar as motivações de Diane e busca respostas sobre sua própria autonomia, o espectador é levado a desconfiar que há algo profundamente errado.
Chaganty conduz o enredo com maestria, explorando o lado sombrio dessa ligação parental de forma quase claustrofóbica. Paulson entrega uma atuação que oscila entre ternura e inquietação, usando olhares e gestos sutis para sugerir que Diane esconde intenções obscuras sob a máscara de uma mãe zelosa. A direção é perspicaz ao manter essa ambiguidade, permitindo que o público desconfie da sinceridade de Diane sem entregar o mistério por completo. Ao longo do filme, a audiência se vê presa em uma teia de suspeitas, na qual as ações de Diane se tornam cada vez mais perturbadoras.
Quando Chloe finalmente confronta a mãe em busca de independência, o embate entre as duas ganha contornos intensos e emocionantes. O desejo de Chloe de descobrir sua verdadeira história e escapar da manipulação materna emerge como um clamor por liberdade. E, embora o enredo conduza o público a acreditar que o problema é evidente, o desenlace surpreende de maneira sombria, revelando uma verdade chocante que redefine toda a narrativa.
“Fuja” é mais que um thriller psicológico; é uma reflexão sobre as armadilhas do amor parental levado ao extremo, onde a linha entre proteção e posse se dissolve, revelando até que ponto alguém pode ir em nome do cuidado. Ao desafiar convenções e explorar camadas emocionais densas, Chaganty e Ohanian entregam um filme inquietante, no qual as atuações de Paulson e Allen dão profundidade a uma história de controle, trauma e a busca inabalável por autonomia.
★★★★★★★★★★