O percurso de quem parte de uma origem modesta pode ser árduo, especialmente quando se busca ascensão em um sistema rígido e excludente. Este é o conflito central explorado por “Um Homem de Sorte” (2018). A narrativa gira em torno do embate entre ambições pessoais e as barreiras impostas por uma sociedade resistente a mudanças. As tramas entrelaçadas dos personagens revelam a complexidade das escolhas e a inevitável colisão de dois mundos que jamais deveriam se encontrar.
Baseado no romance “Lykke-Per” de Henrik Pontoppidan, ganhador do Nobel de Literatura de 1917, o filme flerta com o melodrama sem ultrapassar seus limites. Bille August, diretor consagrado, deixa que as emoções dos personagens falem por si. Embora a história carregue uma carga emocional densa, August aposta em uma narrativa que subentende mais do que explicita. Essa escolha estilística dá ao filme um caráter introspectivo, conduzindo o espectador a refletir sobre temas que vão além do que é diretamente mostrado na tela.
Peter Andreas, filho de um severo pastor, abandona suas raízes na Jutlândia e parte para Copenhague, onde adota o nome Per e busca construir uma nova identidade. Sua jornada, marcada pela repulsa ao passado, é vivida intensamente por Esben Smed, cuja performance equilibra perfeitamente a ambição e a vulnerabilidade do protagonista. Per sonha em revolucionar o futuro com seu projeto inovador de energia limpa, uma ideia à frente de seu tempo que enfrenta resistência em uma sociedade aristocrática e conservadora.
Henrik Pontoppidan, engenheiro e jornalista, tece uma narrativa que combina preocupações ambientais, avanço científico e questões econômicas. Per, em busca de financiamento e apoio social, cruza seu caminho com Jakobe Salomon, uma jovem de família abastada. O romance entre eles, marcado por diferenças religiosas e econômicas, é carregado de tensões que refletem os preconceitos e expectativas da época. Jakobe, pressionada por seu pai, é forçada a reavaliar sua relação com Per, culminando em um rompimento inevitável.
Bille August entrega um filme de fôlego, com quase três horas de duração, sem nunca perder a profundidade emocional. A cinematografia de Alar Kivilo destaca o contraste entre os momentos de intimidade e os grandes dilemas sociais. A cena de despedida entre Per e Jakobe é um exemplo de sutileza e força narrativa. Mesmo que certos padrões se repitam, cada obra carrega sua própria singularidade. “Um Homem de Sorte” é um exemplar notável da produção dinamarquesa contemporânea, equilibrando o refinamento técnico com uma história de alta densidade emocional.
★★★★★★★★★★