Por anos, Ron Burgundy foi o profeta dos noticiários de San Diego. Numa trapaça do destino, contudo, Ron experimentou a maior puxada de tapete da história da comunicação, enquanto a esposa, ao seu lado na bancada do telejornal mais visto da Costa Oeste, recebe um programa para chamar de seu, só seu. “Tudo por um Furo” é outras das inúmeras empreitadas de Adam McKay quanto a expor as hipocrisias e os artificialismos da mídia americana, tudo isso bem misturado com a notória vocação do diretor para despertar o cínico em cada um. McKay já o havia feito uma década antes em “O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy” (2004), no qual elabora as neuroses do protagonista em sua ascensão, sempre atrapalhado e inconsequente, e aqui, no sentido oposto, Ron paga por sua leviandade, até ter a oportunidade de subir outra vez, na única cidade onde isso poderia acontecer: Nova York. O roteiro do diretor conta com uma colaboração de peso e Will Ferrell confere aos absurdos ditos por seu personagem um lastro de sensatez que afronta sua natureza tresloucada. Os cacos, os improvisos, as momices de Ferrell levam quem assiste a endossar a mensagem que Ron traz estampada no rosto, num eterno deboche: desconfie de quem não ri de si mesmo.
“Tudo por um Furo” reúne um elenco de ex-astros do “Saturday Night Live” que vai muito além do que se espera de um show de comédia. Na primeira sequência, pouco depois de expressarem seu amor incondicional um pelo outro, o castelo de ilusões de Ron e Veronica Corningstone começa a ruir, porque Mack Tannen, o executivo interpretado com estranha graça por Harrison Ford, finalmente enxerga que ele é um engodo, sempre deixando escapar um palavrão no ar; gritando, porque a produção grafou o texto em caixa alta ou espirrando com tanta força que seus fluidos bucais alcançam a lente da câmera, ao passo que ela, heroicamente, foi capaz de suportar todas as gafes do marido e evitar que audiência singrasse por outros canais.
Típico machão enrustido dos anos 1970, Ron acusa o golpe e surta, numa das cenas do longa, quando resolve discutir a relação diante de Lupita, a babá mexicana e de Walter, o filho de sete anos vivido por Judah Nelson, assustado, mas contido, por conhecer o nível de destempero habitual da casa. Ron e Veronica, claro, separam-se, mas Ferrell e Christina Applegate seguem na tabelinha, batendo a bola redonda que passam a dividir com David Koechner, Paul Rudd, Luke Wilson e o sempre dedicado Steve Carell, com direito às participações afetivas de Will Smith, Liam Neeson e Drake. Ou seja, um “SNL” mais para qualquer dia da semana.
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