O documentário “Senna”, dirigido pelo cineasta britânico Asif Kapadia e com roteiro de Manish Pandey, é uma obra emocionante e profundamente impactante que narra a trajetória do maior piloto brasileiro de Fórmula 1 e um dos maiores ídolos esportivos do mundo, Ayrton Senna. O filme retrata sua ascensão meteórica nas pistas e culmina na trágica morte do piloto durante o Grande Prêmio de San Marino, em maio de 1994.
Com pouco mais de uma hora e quarenta minutos de duração, o documentário tem o poder de emocionar profundamente os espectadores, especialmente aqueles que tiveram o privilégio de testemunhar as incríveis conquistas de Senna, seja como criança ou adulto. Ao longo do filme, não é incomum que o espectador, como eu, termine as imagens com os olhos marejados, refletindo sobre o impacto de sua carreira e sua perda prematura.
Senna, na época em que conquistava os corações dos brasileiros e o respeito mundial, tinha uma habilidade única de fazer com que o país inteiro, todos os domingos, se reunisse em frente à televisão, como se fosse uma final de Copa do Mundo. Jamais um brasileiro teve tanto poder de mobilização sobre o público em relação a um esporte, fora do futebol, como Senna teve com a Fórmula 1.
O documentário revela que, embora Senna tenha vindo de uma família privilegiada, o que lhe proporcionou oportunidades que muitos não teriam, sua ascensão à Fórmula 1 não foi fruto de sorte ou facilidade. Pelo contrário, ela foi construída a partir de sua habilidade extraordinária nas pistas, combinada com um esforço incansável e uma determinação imbatível.
O filme destaca, ainda, que Senna não apenas pilotava o carro com maestria, mas o fazia de forma visceral e quase poética, “dançando” com o veículo, com manobras ousadas que desafiavam os limites da física e da segurança, como as freadas tardias e o controle do carro nas curvas mais arriscadas, comendo as beiradas da pista, sempre com uma precisão que parecia algo fora do comum. No entanto, essa habilidade inata era acompanhada por uma inteligência estratégica impressionante, que permitia a Senna calcular cada movimento de maneira meticulosa.
A trajetória de Senna na Fórmula 1 começa em 1984, quando ele fez sua estreia pela equipe Toleman, uma das menores e menos competitivas da categoria. No entanto, sua habilidade e ousadia nas pistas logo chamaram a atenção da McLaren, e foi nesse time que ele se consagrou como campeão mundial, conquistando três títulos: em 1988, 1990 e 1991.
Durante sua passagem pela McLaren, Senna se envolveu em uma rivalidade histórica com seu companheiro de equipe, o francês Alain Prost. Prost, conhecido por ser extremamente calculista e metódico, conquistou vitórias por meio de uma abordagem mais cautelosa, enquanto Senna era pura audácia e competitividade. Essa rivalidade gerou alguns dos momentos mais polêmicos e intensos da história da Fórmula 1, incluindo colisões em momentos decisivos do campeonato, algo que tornou a rivalidade entre os dois ainda mais inflamável.
Senna, em sua obsessão pela vitória, afirmava que o triunfo era “uma droga”, em uma analogia sobre o quanto ele se sentia viciado pela sensação de vencer. Ele acreditava que a busca por essa sensação o impulsionava a ser ainda mais competitivo, a ponto de ser visto por muitos como arrogante. Alain Prost, em várias entrevistas, afirmou que Senna não queria apenas vencê-lo, mas também humilhá-lo, o que refletia a intensidade dessa rivalidade.
Porém, Senna não se contentava apenas em ser um vencedor, ele queria ser o melhor, e nas condições mais adversas era onde ele realmente se destacava. Sua habilidade de controlar o carro sob chuva e em condições extremas mostrava não só o seu talento, mas sua profunda inteligência ao lidar com as limitações físicas do carro e as adversidades da pista.
Além de seu brilhantismo como piloto, Senna era um homem profundamente comprometido com causas sociais. Em um Brasil que vivia um período turbulento, tanto política quanto economicamente, Senna usou sua fama e fortuna para ajudar os mais necessitados. Fundou o Instituto Ayrton Senna, uma instituição dedicada a proporcionar educação e melhores condições de vida para crianças e jovens carentes, especialmente os oriundos das periferias. Sua vontade de fazer a diferença não se limitava às pistas de corrida, mas se estendia ao seu desejo de deixar um legado duradouro fora delas.
A história de Senna, no entanto, não terminou com seus campeonatos e sua luta por justiça social. O documentário também mergulha nos trágicos dias finais da vida do piloto. Em 1994, o mundo do automobilismo foi abalado por uma sequência de eventos que culminaram na morte de Senna. A morte de Roland Ratzenberger, apenas quatro dias antes do fatídico acidente de Senna, gerou uma onda de tristeza e apreensão entre os pilotos.
Senna, profundamente abalado pela perda de Ratzenberger, chegou a cogitar abandonar a competição, mas sua paixão pelo esporte e seu desejo de lutar o impediram de desistir. No Grande Prêmio de San Marino, Senna sofreu um acidente fatal, quando não conseguiu controlar o carro em uma curva, resultando em sua morte em 1º de maio de 1994.
O documentário utiliza uma riqueza de material inédito e arquivos pessoais, além de entrevistas com familiares, colegas de equipe e jornalistas. Ao contrário do que se poderia esperar de uma biografia, “Senna” não tenta pintar uma imagem perfeita do piloto. Pelo contrário, ele revela as imperfeições de Senna, mostrando como sua competitividade o levava a colocar em risco sua própria segurança em algumas situações.
Kapadia consegue capturar a humanidade de Senna, retratando-o como um homem comum, com medos, angústias e inseguranças, mas também como um herói capaz de superar seus próprios limites e se tornar uma lenda, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. A genialidade de Senna nas pistas o transformou em um ícone, e sua morte prematura tornou sua imagem ainda mais reverenciada, elevando-o a uma espécie de mito moderno.
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