Milionários têm um jeito muito peculiar de resolver seus assuntos internos. Vira e mexe, sabe-se de uma mulher insatisfeita que decide dar cabo do marido, ou de um homem que descobre um adultério e lava sua honra com sangue, cercando-se dos melhores profissionais do ramo. Ainda hoje, o caso von Bülow, sobre um playboy dinamarquês-britânico que trama a morte da esposa em duas ocasiões e sai impune, desassossega a opinião pública e tornou-se um exemplo da astúcia de certos advogados, e quase meio século depois, mesmo que esses episódios tenham sido cada vez mais comuns, não há quem não fique indignado — ao menos nos primeiros dias. Talvez filmes como “O Reverso da Fortuna” não tenham mais lugar em Hollywood — pelo menos não com a medida de cinismo e desalento apropriadamente usada por Barbet Schroeder.
A adaptação de Schroeder para o livro homônimo publicado por Alan Dershowitz em 1985, uma espécie de biografia romanceada de Claus Cecil Borberg (1926-2019) a partir de suas tentativas de homicídio contra a esposa, Martha Sharp Crawford von Bülow (1932-2008), em 1979, revisita o escândalo passada mais de uma década, concentrando-se na figura esbelta e algo diabólica de Claus, que passou a apresentar-se com o sobrenome da consorte, até o segundo ato, quando Martha, conhecida como Sunny nas altas rodas da América, deixa de ser um espectro e também participa da história. O sofisticado roteiro de Nicholas Kazan oscila entre um e outra, também abrindo os microfones para Dershowitz, o responsável por livrar von Bülow do corredor da morte.
O diretor recorre a um flashback para contextualizar a agonia de Sunny, presa num leito de hospital até morrer, 28 anos depois, em 2008. Sunny volta à primeira vez que viu Claus, bastante confusa quanto ao que de fato pode lhe ter acontecido, mas no fundo sempre certa de que ele estava por trás de tudo. Na cena de abertura, um helicóptero capta os palacetes sóbrios de Newport tingem de glamour uma circunstância que qualquer um teria por hostil, sensação que recrudesce no momento em que a câmera aterrissa e se conhece a mansão em que os von Bülow moram com os filhos, os de uniões anteriores e os que tiveram juntos.
Aos poucos, Schroeder penetra nos meandros obscuros dos Bülow, expondo o alcoolismo e a dependência de remédios de Sunny e um evidente desprezo de Claus, e mesmo que só apareça depois que Jeremy Irons já compôs um retrato minucioso de seu personagem, Glenn Close encontra seu espaço, incorporando uma mulher frágil, amargurada, quiçá até se resignando com sua sina. Uma suposta primeira overdose é testemunhada por Maria, a criada vivida por Uta Hagen (1919-2004), e um ano mais tarde, ao sucumbir ao abuso de pílulas, ninguém a ajuda. Achada no banheiro, uma injeção de insulina sugere que Claus tenha, na mais branda das hipóteses, omitido socorro. Na pior, teria sido ele a inoculá-la.
É aí que entra Dershowitz, um professor de direito de Harvard que se encarregou do recurso de Claus, e seus pupilos. Até o desfecho, o longa assume essa aura de filme de tribunal, com Irons e Ron Silver numa estimulante dobradinha, à sombra de Close, que segue fornecendo pistas para que o público tire suas próprias conclusões, além de, claro, pontuar quadras funestas da vida de Claus e Sunny, sublinhando também a dificuldade de se encontrar alguma evidência da culpa do playboy, que multiplicou por catorze seu patrimônio ao se casar com a socialite. Claus Cecil Borberg morreu em 25 de maio de 2019, aos 92 anos, sem nunca ter dado nenhuma entrevista relevante sobre a acusação. Alan Dershowitz continua um jurista de mão cheia, emitindo opiniões apaixonadas, porém deveras lúcidas, acerca do conflito israelo-palestino.
★★★★★★★★★★