Quando a beleza se retira exausta de sua árdua missão de suavizar o peso da existência, a alegria tenta ocupar o espaço, até que a realidade do cotidiano emerge: boletos vencendo, saúde se esvaindo, reuniões familiares descambando em caos e a eterna segunda-feira a lembrar o castigo ancestral de suar por sustento. Assim, com coragem disfarçada e sorrisos forçados, Benjamin, o melancólico artista de “O Palhaço”, se protege nessa vida amarga, comercializando algo que já não possui: a própria alegria.
A performance de Selton Mello, tanto como o personagem principal quanto como diretor, é uma busca profunda nas memórias da infância e nas referências que permeiam sua longa carreira, que vai de Renato Aragão a Jacques Tati, Oscarito e Fellini. Ele constrói, com essas influências, o retrato de um artista cansado e desencantado, infectado por um niilismo crescente, mas que insiste em continuar, na esperança de que o próximo espetáculo possa, talvez, ser diferente.
À margem de uma estrada de terra, trabalhadores rurais se apertam, arrancando seu sustento, enquanto uma Rural vermelha atravessa, levantando poeira. O roteiro de Mello e Marcelo Vindicato foca em imagens poderosas que falam por si, especialmente no início: um filme de silêncios que contrastam com um ritmo visual que cresce e se transforma ao longo dos noventa minutos. O circo Esperança se instala nas serras de Passos, Minas Gerais, e antes da estreia, Benjamin lida com pequenos problemas nos bastidores, como a necessidade de um ventilador para Lola, a atiradora de facas.
Há ecos da melancolia de “Feliz Natal”, o primeiro filme dirigido por Mello, mas “O Palhaço” assume uma identidade própria à medida que Benjamin se transforma em Pangaré, seu nome artístico no picadeiro, arrancando sorrisos que ele mesmo já não consegue dar. Questões de identidade são centrais, com o RG de Benjamin desintegrando-se, levando-o a uma delegacia comandada por Justo, vivido por Moacyr Franco em uma rara, mas potente, atuação dramática. Em cena, Pangaré se torna a própria imagem da euforia fingida, especialmente nos momentos ao lado de Valdemar, o Puro Sangue, vivido pelo saudoso Paulo José.