Tragédias possuem um peso tão marcante na condição humana que, caso algum dia experimentássemos a felicidade plena de forma contínua, ao longo de toda a vida, poderíamos nos ver transformados em algo completamente distinto, talvez uma outra espécie, privada de boa parte do que hoje nos define como seres humanos, os “homens que sabem que sabem”. A humanidade parece estar dividida entre aqueles que, mesmo céticos, mantêm uma crença latente em milagres, mesmo nos que jamais se concretizam, e os que, com certo cinismo, atribuem ao mundo uma aura sobrenatural.
“Amor Esquecido”, a adaptação de Michał Gazda de um dos clássicos do cinema polonês, explora essas contradições essenciais através do personagem Rafał Wilczur, um cirurgião de prestígio que se vê consumido pelo arrependimento, refazendo seu caminho na vida após decisões erradas. Assim como em “The Quack” (1982), dirigido por Jerzy Hoffman, Gazda dedica boa parte da narrativa ao desenvolvimento do protagonista, interpretado com intensidade por Leszek Lichota, que abraça o lado sombrio de Wilczur — uma escolha ousada que por vezes flerta com o melodrama excessivo.
Na Polônia, a preferência por histórias intensas e dramáticas é recente. Antes da versão de Hoffman, Michał Waszyński, cineasta ucraniano, criou uma adaptação mais contida da obra de Tadeusz Dołęga-Mostowicz, autor do romance que inspira essas versões. Em “Professor Wilczur” (1938), Waszyński escolheu um estilo próximo do noir, refletindo o clima sombrio que antecedia a Segunda Guerra Mundial, especialmente impactante para o Leste Europeu.
Com roteiro de Marcin Baczyński e Mariusz Kuczewski, o enredo de “Amor Esquecido” acompanha as atribulações de Wilczur e traz à tona revelações sobre outros personagens ao longo de seus 140 minutos de duração. Desde o início, Lichota constrói um anti-herói que já dá indícios das provações que enfrentará, embora nunca se esclareçam completamente os motivos que levam à transformação do professor. A cena da briga na taverna, que poderia justificar o trauma físico, apenas insinua que Wilczur encontrou uma desculpa conveniente para fugir tanto do mundo quanto de si mesmo. No entanto, não há uma verdadeira metamorfose no personagem.
Apesar do visual desleixado — as roupas em frangalhos, o cabelo desgrenhado, a barba espessa —, Wilczur mantém resquícios de sua postura aristocrática, o que dá ao enredo um ar previsível, como se o público já soubesse que uma “surpresa” que não surpreende de fato está a caminho. Quando Maria Kowalska entra em cena, a dinâmica narrativa ganha novos contornos. Maria Jolanta, interpretada de forma perspicaz por Kowalska, parece ser o elo que Wilczur busca para retomar o ponto onde sua vida havia estagnado, ainda que a sutileza da atriz iluda o espectador sobre o verdadeiro rumo da relação entre ambos.
Essa nova adaptação do romance de Dołęga-Mostowicz se distancia do impacto cultural deixado pelo filme de Hoffman, que ainda hoje é exibido em momentos especiais na televisão polonesa, como no Dia de Todos os Santos e na Páscoa, e que encontra paralelo em outras adaptações históricas, como “O Egípcio” (1954), de Michael Curtiz. Gazda realiza um trabalho respeitável com “Amor Esquecido”, mas seu filme, ao fim, carece do brilho que o tornaria verdadeiramente memorável.
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