Romance na Netflix é indispensável para todo amante de livros Kerry Brown / Netflix

Romance na Netflix é indispensável para todo amante de livros

O filme “A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata”, dirigido pelo britânico Mike Newell, oferece uma experiência narrativa que, desde o início, deixa claro o desfecho. Embora o enredo pareça previsível, a emoção e o toque de ingenuidade garantem o engajamento do público até o fim. Newell, conhecido por seu estilo tradicional e conservador em Hollywood, traz para este longa-metragem uma profundidade que remete à sua filmografia mais clássica.

Sua direção cuidadosa e meticulosa é observada em produções como “Reykjavik” (2012), onde abordou a rivalidade entre EUA e União Soviética durante a Guerra Fria, um filme detalhista em que a precisão histórica e o drama político se destacam. A esse respeito, é possível considerar que “A Sociedade Literária”, embora ambientado em um período anterior, ressoa como uma prequela em termos de temas e atmosfera, fornecendo uma base para o estilo narrativo desenvolvido posteriormente.

A história se passa em 1941, na ilha de Guernsey, no Canal da Mancha, onde Hitler havia estabelecido uma ocupação que combinava opressão e vigilância. A cena inicial, em um plano geral capturando o céu amplo e imponente sobre a ilha, introduz um ambiente simultaneamente belo e sombrio. A ação se intensifica quando soldados alemães abordam os habitantes locais, interrompendo a rotina deles e iniciando um interrogatório com intenções claramente intimidadoras. Nessa atmosfera tensa, Eben Ramsey, interpretado pelo talentoso Tom Courtenay, reage de forma coerente e corajosa, mantendo-se firme perante a hostilidade. A narrativa avança cinco anos, para um Reino Unido empenhado em se reconstruir após os sacrifícios da Segunda Guerra Mundial, período marcado por escassez e luto, mas também por esperança.

Juliet Ashton, uma escritora londrina interpretada com sensibilidade por Lily James, é uma figura que destoa do estereótipo da autora clássica. Seu choque diante da Londres devastada é perceptível enquanto conversa com seu editor Sidney Stark, papel vivido por Matthew Goode. Em sua interpretação, Goode transmite um ar de sofisticação e distanciamento, lembrando a elegância de ícones como Cary Grant e James Stewart. Stark, ao mesmo tempo que se mostra dedicado, exibe uma afetação que o isola da realidade e revela uma complexidade que o impede de expressar empatia.

Ele encoraja Juliet a explorar as oportunidades editoriais na crescente economia de pós-guerra, sugerindo que ela alugue um apartamento e produza mais conteúdos para atender à demanda cultural que a retomada econômica traz. No entanto, a escritora, ainda que aceitando em parte a proposta de seu editor, está mais interessada em compreender como as pessoas realmente vivem nessa nova fase de recuperação.

Decidida a conhecer de perto a vida na ilha de Guernsey e intrigada pelas cartas que trocara com alguns de seus moradores, Juliet embarca para o local. Sua viagem é motivada pela curiosidade genuína e pelo desejo de experimentar a realidade dessas pessoas — algo que vai muito além de uma simples mudança de cenário. Ao chegar, a personagem passa por pequenos percalços que superam sem grandes danos, até encontrar Eben Ramsey, seu correspondente.

Esse contato, embora breve, tem um impacto profundo, evocando uma conexão que transcende o tempo e o espaço, enriquecendo a narrativa.

Juliet passa a se hospedar na casa de Charlotte Stimple, uma das poucas residentes que não demonstra interesse pelo clube de leitura que se formara durante a guerra. Interpretada por Bronagh Gallagher, Charlotte traz um toque de ceticismo à trama, vendo a sociedade literária como uma distração inútil. Ela até tenta desmerecer os integrantes do grupo fundado por Elizabeth McKenna (Jessica Brown Findlay), embora perceba que Juliet, uma visitante de espírito livre, tem uma visão completamente diferente.

Em uma de suas idas à sociedade literária, Juliet descobre que Elizabeth não reside mais na ilha, o que a leva a formular, mentalmente, uma teoria sobre o que pode ter acontecido. Este mistério, amparado por lembranças e memórias fragmentadas, se torna um contraponto ao cenário bucólico da ilha. O diretor, contudo, evita ao máximo aprofundar o suspense, e essas alusões à personagem de Findlay acabam por se tornar uma abordagem repetitiva e previsível, falhando em impactar.

A trama se intensifica nas interações de Juliet com os moradores locais e nos encontros da sociedade literária. Em uma das sessões, ela se depara com a famosa torta de casca de batata que dá nome ao grupo, uma iguaria rudimentar acompanhada pelo gim artesanal de Isola, personagem cômica interpretada por Katherine Parkinson em um papel memorável. Nesse contexto, o filme exibe o cotidiano do grupo e revela as peculiaridades de cada membro.

No desenrolar da narrativa, surge o interesse romântico de Juliet pelo fazendeiro Dawsey Adams, interpretado por Michiel Huisman. Esse sentimento a faz reconsiderar sua relação com Mark Reynolds (Glen Powell), um diplomata cujo perfil impecável não desperta em Juliet a mesma intensidade de sentimentos. Ainda que o romance seja esperado, ele não diminui o encanto da produção, que se mantém fiel ao lirismo característico de Newell. O diretor explora, sem receio, o sentimentalismo, retratando uma era em que o sonho de uma vida melhor era mais do que uma esperança — era uma necessidade.

“A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata” resgata o idealismo e a sensibilidade de uma época, oferecendo uma reflexão sobre o valor da amizade e da resiliência. A história transporta o público para um tempo em que, mesmo em meio às incertezas, a humanidade ainda acreditava em um futuro compartilhado e menos conturbado. Embora a realidade tenha eventualmente revertido a expectativa por paz, com novas tensões globais e conflitos, o filme destaca o papel da arte em manter viva a essência do ser humano, registrando suas angústias e, paradoxalmente, reafirmando sua esperança.

Filme: A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata
Diretor: Mike Newell
Ano: 2017
Gênero: Drama/Romance
Avaliaçao: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★