Muitas vezes, as respostas que o ser humano tanto procura podem ser encontradas em lugares improváveis, e os contos de fadas, com suas visões incomuns e fantásticas do mundo, fornecem uma leitura inesperadamente profunda sobre a natureza humana. Essas histórias, com suas excentricidades e lições que podem parecer absurdas à primeira vista, permanecem poderosas com o passar do tempo, oferecendo insights valiosos para aqueles que se dispõem a mergulhar no que elas têm a revelar. “A Academia do Sr. Kleks” é mais uma prova da relevância duradoura dessas narrativas, mostrando como elas podem ainda hoje encantar e provocar reflexão.
O roteiro, uma adaptação da obra de Jan Brzechwa, escrita em 1946, ganha nova vida pelas mãos de Krzysztof Gureczny e Agnieszka Kruk, que nos conduzem por uma aventura que se desdobra em múltiplos cenários globais. Desde as agitadas ruas de Nova York até as planícies da Ucrânia, passando por Japão, México e São Paulo, a história finalmente retorna à caótica metrópole americana. Nessa jornada, seguimos as desventuras de Ada Niezgódka, uma jovem confusa, desajustada e em busca de um sentido para sua vida. Entre suas principais ambições está o desejo de reencontrar o pai, que a abandonou ainda na infância, deixando-a com a mãe quando era apenas uma criança.
O diretor Maciej Kawulski desenvolve sua narrativa centrando-se nessa menina, uma personagem subestimada por todos ao seu redor, e até por si mesma. Ele constrói, de forma lenta e meticulosa, a transformação dessa jovem, cuja história é marcada pela busca de seu lugar no mundo. Ada, perdida em suas próprias questões existenciais, parece estar à deriva, mas ao longo do filme começa a se firmar e a descobrir sua força. O cineasta segue os passos de quem se tornou um mestre em contar verdades desconfortáveis e provocativas, mas sempre reveladoras, ainda que apresentadas de maneira pouco convencional.
Embora Kawulski deixe algumas questões sem explicação clara, como a razão exata de Ada e sua mãe terem se estabelecido em Nova York, isso não prejudica o desenrolar da trama. O que realmente captura a atenção é a figura de Mateusz, um pássaro antropomórfico gigantesco, interpretado por Sebastian Stankiewicz. Mateusz é uma espécie de explorador incansável, com a habilidade de encontrar potenciais alunos para a misteriosa Academia de Kleks em qualquer canto do mundo. Sua chegada à vida de Ada ocorre de forma inusitada, após um voo rasante pelas ruas de Nova York, onde ele quase não consegue evitar largar seus dejetos na cabeça de um transeunte desavisado.
Um dos pontos mais frágeis do roteiro de Gureczny e Kruk é a superficialidade com que retrata a tensa relação entre Ada e sua mãe, Anna, vivida por Agnieszka Grochowska. A hostilidade entre as duas é evidente, mas as razões por trás desse conflito nunca são totalmente desenvolvidas. No entanto, essa lacuna narrativa é amplamente compensada pelo desempenho encantador de Antonina Litwiniak, que dá vida a Ada de maneira convincente e magnética. Tanto é que o público não estranha quando Ada decide seguir Mateusz em uma jornada rumo à terra onde o enigmático professor Ambrozy Kleks ministra seus cursos de magia, uma promessa tão fascinante quanto misteriosa.
O filme, que se estende por 129 minutos, investe boa parte de seu tempo explorando o tema do desajuste fundamental de certos indivíduos na sociedade. A Academia de Kleks, interpretado com precisão por Tomasz Kot, é apresentada como um lugar de refúgio para essas figuras incomuns, seres que parecem não se encaixar nos padrões do mundo comum. O diretor Kawulski cria uma atmosfera que oscila entre o maravilhoso e o sombrio, refletindo as contradições internas dos próprios personagens.
Ao longo do filme, Kawulski utiliza referências clássicas da literatura europeia de contos de fadas, mergulhando especialmente em “Branca de Neve”, um dos contos mais icônicos da tradição germânica, compilado pelos irmãos Grimm. Publicado entre 1817 e 1822, “Branca de Neve” é símbolo de uma era onde as fábulas não eram apenas histórias infantis, mas também representações profundas dos desafios humanos. Além dessa referência, o filme também faz alusão a “A Menina dos Fósforos”, um conto comovente e trágico do dinamarquês Hans Christian Andersen, que adiciona um toque melancólico à narrativa de Ada, trazendo à tona um dos momentos mais sensíveis do filme.
No fim das contas, “A Academia do Sr. Kleks” se revela como uma verdadeira ode ao poder da imaginação, não apenas como uma ferramenta de escapismo, mas como um meio de resistência e transformação. A jornada de Ada e seu encontro com o mundo mágico de Kleks representam mais do que uma aventura fantástica; são a reafirmação de que a imaginação infantil, quando estimulada, pode transformar até os ambientes mais áridos e desolados. O filme celebra a capacidade dessas crianças marginalizadas de recriar a realidade à sua volta, e, por meio disso, oferecer novas perspectivas e esperanças para o futuro.
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