Artistas são frequentemente o reflexo das experiências que acumulam ao longo de suas jornadas. Quando essas vivências são marcadas por dificuldades, a expressão artística tende a ganhar profundidade e relevância. Maud Kathleen Lewis (1903-1970) teve uma trajetória de adversidades, alcançando reconhecimento apenas após os sessenta anos, com suas pinturas infantis de paisagens, flores e pássaros. Sua arte, aparentemente simples, era uma tentativa de oferecer serenidade ao olhar, um esforço para domar seus tormentos internos e preservar a inquietação juvenil que nunca a abandonou.
A cinebiografia dirigida por Aisling Walsh, “Maudie: Sua Vida e Sua Arte”, faz um retrato das mais de seis décadas de desafios enfrentados por Lewis, cuja capacidade de transformar sofrimento em beleza é tocante. O roteiro de Sherry White captura momentos visuais repletos de cor e movimento, mesclando-os com passagens mais sombrias, que refletem o avanço de sua condição crônica e a vida conjugal insossa que manteve, originada em circunstâncias degradantes. Esses elementos, ao invés de aplacarem sua força interior, reforçaram sua determinação em não sucumbir às imposições do destino.
No início, Maudie surge exercendo sua maior paixão, embora sua expressão revele sinais claros de dor. Enquanto mistura tintas e começa a desenhar uma flor na parede, o espectador é convidado a adentrar seu universo e contemplar as razões por trás de seus infortúnios. Mais adiante, ao fumar na varanda de uma casa acolhedora, ela aparenta ser uma menina aprisionada em um corpo envelhecido, uma dualidade que o cigarro apenas intensifica.
Sally Hawkins, no papel de Maudie, explora com maestria a fragilidade da personagem, que, apesar de sua crescente doçura, paga um preço alto por ser diferente. A narrativa de Walsh percorre momentos distintos da vida de Maudie, ora mais jovem, ora mais experiente, mas sempre vulnerável e dependente. Na casa da tia Ida, interpretada por Gabrielle Rose, Maudie é tratada como um enfeite a ser manuseado ocasionalmente, uma limitação que ela precisa superar. O irmão, Charles, vivido por Zachary Bennett, busca dar-lhe alguma estabilidade, oferecendo-lhe um lar provisório e comida, mas falha em compreender a verdadeira essência da irmã.
Impedida de retornar à casa de sua infância, vendida por Charles, Maudie parece encontrar uma nova força interior. A transformação de uma eterna menina para uma mulher determinada a enfrentar o destino coincide com a progressão de sua artrite, condição que, junto à febre reumática sofrida na infância, moldou a artista que se tornaria. Seu relacionamento com Everett Lewis, o rude peixeiro com quem compartilha a vida, não poderia ser chamado de casamento tradicional, mas havia uma complementaridade entre eles. Walsh dedica grande parte do filme ao vínculo peculiar entre Maudie e Everett, interpretado por Ethan Hawke, que alterna entre momentos de grosseria e ternura, até compreender, no fim, o verdadeiro motivo pelo qual aquela mulher singular entrou em sua vida e deixou uma marca indelével na arte canadense.
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