Atuar sempre pareceu muito fácil para Jack Nicholson, talvez por causa daquele sorriso cintilante, que tanto pode derreter geleiras na lua como funcionar feito o olhar da serpente encantando o camundongo pouco antes do bote. Foi assim desde “The Cry Baby Killer” (1958), sua estreia na tela grande, na pele de Jimmy Wallace, um delinquente juvenil que mata um par de desafetos. Menos de duas décadas mais tarde, em “Um Estranho no Ninho”, ele teria seu papel mais desafiador — depois de “O Iluminado” (1980), de Stanley Kubrick (1928-1999)—, onde decerto revisitou, ainda que inconscientemente, o antagonista do filme de Jus Addiss (1917-1979), e que por seu turno também terá sido fundamental na composição de Jack Torrance, um professor e aspirante a escritor fracassado de Vermont, na Nova Inglaterra, que se torna zelador de um certo hotel Overlook.
Nicholson é um dos astros de Hollywood cuja carreira apresentou mais períodos de normalidade, em produções que, de uma ou de outra maneira, revolucionaram essa coisa fascinante chamada cinema, e seja por sorte, método, carisma, a reputação que foi erigindo, tijolo por tijolo, junto aos realizadores mais poderosos da indústria ou um pouco de tudo isso, ele continua sendo um mito, essa palavra que hoje se usa para qualquer debiloide pretensioso, ainda que formalmente longe do jogo desde “Como Você Sabe” (2010), de James L. Brooks.
Estatisticamente, “Um Estranho no Ninho” é o filme mais certeiro de Nicholson, uma vez que ele estampa a tela em mais de 80% dos 133 minutos de projeção de uma narrativa densa, mas fluida, o que o tornou um dos rostos mais conhecidos da Terra. A adaptação de Miloš Forman para “One Flew Over the Cuckoo’s Nest” (“alguém sobrevoa o ninho de cucos”, em tradução livre), romance de Ken Kesey (1935-2001) publicado em 1962, imprime frescor à história datada, já naquela época, de Randle Patrick McMurphy, um veterano da Guerra da Coreia (1950-1953) que enlouquece lentamente, até ir parar num manicômio judiciário no Oregon. Aqui, os roteiristas Bo Goldman (1932-2023) e Lawrence Hauben (1931-1985) sugerem a condenação de McMurphy por molestar sexualmente uma menor de idade, e sua loucura vem no balaio, nunca desvendada por completo, mas entendida de qualquer modo. Aos poucos, cresce a dúvida: McMurphy é mesmo um desequilibrado, incapaz de mensurar suas ações (e a participação num conflito armado em outro continente tem muita culpa nisso), ou, ao contrário, aproveita-se de seu currículo para cometer ilicitudes? Seja qual for a conclusão a que se chegue, ninguém fica-lhe indiferente quando Mildred Ratched, a enfermeira-chefe, surge em cena, pronta para exercer toda a sua cota de pequenos, pequeníssimos poderes.
A parceria de Nicholson e Louise Fletcher é de encher os olhos, ele permitindo que McMurphy entregue-se de vez à insânia e arraste consigo todos os internos — como na insolitamente engraçada sequência no barco, quiçá um delírio do protagonista —, e Fletcher queimando em fogo frio, numa óbvia disputa por hegemonia com seu paciente mais indesejado. Não por acaso, cada um garantiu seu Oscar, de Melhor Ator e Atriz, junto com Forman, Hauben e Goldman, para não falar das indicações de Haskell Wexler (1922-2015) e Richard Chew, por Melhor Forografia e Edição, respectivamente. Um feito inédito e merecido desde “Aconteceu Naquela Noite” (1934), de Frank Capra (1897-1991), consagrador o bastante para nocautear Michael Douglas, um dos produtores. E a qualquer um que não abra mão de rigor, até na cultura pop, onde todo mundo é um mito.
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