Maravilhoso e peculiar, obra-prima de Stephen Frears traz uma história inesquecível e é um dos melhores filmes do Prime Video

Maravilhoso e peculiar, obra-prima de Stephen Frears traz uma história inesquecível e é um dos melhores filmes do Prime Video

Há mais mistérios entre o céu e a terra do que possa imaginar a vã filosofia dos homens, disse certa feita William Shakespeare (1564-1616), numa de suas grandes contribuições para esta pobre humanidade. O aforismo é especialmente verdadeiro quando se analisa a vida e, neste caso, a morte de Ricardo 3º (1452-1485), o último rei do Império Angevino e da Casa de York, e como não existem coincidências, mirando-se o que disse o Bardo do Avon, Ricardo 3º, quem diria, acabou famoso graças à peça homônima levada por Shakespeare aos palcos londrinos em 1593, antes de levantar seu Globe Theatre, seis anos depois. Ricardo 3º passou à História como um arqui-vilão, vocábulo inventado por ele, um déspota implacável, usurpador de um trono a que não tinha direito. Philippa Langley nunca digeriu o imbróglio, e em “O Rei Perdido” Stephen Frears conta as melhores partes da saga de Langley, uma ricardiana amadora, quanto a provar que a imaginação de Shakespeare havia ido um pouco longe demais.

Ela lia num café quando apanha do chão um panfleto sobre uma tal Richard III Society, um grupo de estudos sobre o difamado monarca do século 15, e resolveu ir até lá. A conexão foi tão forte e tão imediata que Langley, depois de consultar relatos de pessoas que compareceram ao funeral do rei, em 1485, aos 32 anos, e movida pela intuição mediúnica, bancou do próprio bolso uma escavação num estacionamento em Leicester, 159 quilômetros a noroeste de Londres, a fim de tirar a prova. Até que conseguisse alguma evidência crível de que Ricardo 3º não descansava para sempre no fundo de um rio após a batalha no campo de Bosworth, durante a Guerra das Rosas (1455-1487), Langley travou sua contenda particular por não ser associada a nenhuma instituição de ensino universitário ou mecenas, entre revoltada e orgulhosa de ajudar a jogar luz sobre uma das personalidades mais enigmáticas da Idade Média.

O roteiro de Steve Coogan e Michael Jones encontra um meio de suavizar o glacê academicista inerente à trama dando um inusitado toque, digamos, sobrenatural ao longa, com os encontros de Langley e o personagem-título, encarnado por Harry Lloyd, sequências em que Sally Hawkins deixa à mostra uma providencial veia cômica, contrabalançando a sisudez do argumento central, como fizera em “Maudie” (2016), de Aisling Walsh. Se a verdadeira substância da ambição é mesmo a sombra de um sonho, almas delirantes e corajosas como a de Philippa Langley deveriam ser tão buscadas quanto a memória de soberanos que a bruma corrosiva do tempo engole.

Filme: O Rei Perdido
Diretor: Stephen Frears
Ano: 2022
Gênero: Drama/Comédia
Avaliaçao: 9/10 1 1
★★★★★★★★★