Encantado pela miragem do poder, o ser humano se lança em um caminho marcado por desafios, buscando evitar as seduções transitórias que dão sabor à existência, mas que inevitavelmente o levam ao mar morno e nebuloso de sonhos fracassados. Numa vida regida por aparências frágeis, ele se vê forçado a enterrar suas aspirações mais genuínas, incapaz de distinguir entre aquilo que se mantém dentro da lógica e o que se perde no território do impossível, permanecendo confuso e ansiando pela figura redentora que, acredita, surgirá no momento oportuno.
Até que essa mudança ocorra, o ato de viver se transforma numa sucessão de questionamentos, cada um deles com uma rede de dilemas profundos ou trivialidades cansativas. A única força capaz de deter esse ciclo, revelando nossas fraquezas e misérias, é o resgate do que acumulamos de autêntico e precioso ao longo da vida, mas de que nos afastamos por razões incertas, um afastamento quase sempre cobrado a um preço alto.
Todos somos reféns das armadilhas do destino, que se tornam ainda mais perigosas quando acompanhadas pelo desespero que nós mesmos alimentamos. Nossa fuga desses perigos deixa cicatrizes, narrativas pessoais que trazem à tona as vitórias que nos guiam e os fracassos que tentamos apagar, numa tentativa inútil de sufocar aspectos inalienáveis de nossa essência. É justamente na exploração desses sentimentos ocultos que o filme “O Destino de Haffmann” se destaca. Com uma trama onde confiança, lealdade e traição se entrelaçam, o diretor francês Fred Cavayé transforma premissas universais em um enredo preciso e envolvente. Adaptando a peça de Jean-Philippe Daguerre, vencedora do prestigioso prêmio Molière, Cavayé dá nova vida a esse drama em que questões éticas são postas à prova em um cenário sombrio.
A Paris de 1941, ainda reluzente em sua beleza nostálgica, logo testemunha uma brutal mudança de cenário. A invasão nazista se aproxima, e com ela a perseguição implacável aos judeus, alvos de uma caça sistemática. No centro dessa tragédia está o joalheiro Haffmann, magistralmente interpretado por Daniel Auteuil, cuja angústia transparece em cada expressão ao enfrentar a necessidade de se desfazer de sua loja para sobreviver. A adaptação de Cavayé, realizada em parceria com Sarah Kaminsky, expõe a crueldade dos métodos nazistas que forçaram os judeus a se refugiar em guetos, locais de isolamento onde poucos imaginavam o destino final que os aguardava: campos de extermínio alemães, onde mortes por fome, doenças e exaustão se tornaram parte da brutal rotina.
A interpretação de Auteuil, carregada de sofrimento e desespero, ilustra bem a ilusão de Haffmann, que, em busca de uma saída, transfere sua joalheria para o nome de seu assistente, François Mercier, vivido por Gilles Lellouche. Essa decisão, porém, desencadeia uma análise intensa das motivações dos dois homens, expondo a crescente dependência de Haffmann em relação ao subordinado, cujo caráter frágil transforma essa relação em uma tragédia inevitável. A covardia de Mercier o arrasta para um ciclo de traições e tragédias íntimas, incluindo o fim de seu casamento e suas relações perigosas com oficiais nazistas, que acabam por destruí-lo. Ao fim, os papéis se invertem, mostrando que tanto a sorte quanto a guerra são efêmeras, destacando a fragilidade das ambições humanas.
Filme: O Destino de Haffmann
Direção: Fred Cavayé
Ano: 2022
Gênero: Drama
Nota: 8/10