Woody Allen, envolto em discussões e polêmicas, se destaca como um dos grandes mestres da comédia tanto nas letras quanto no cinema. Com uma produção vasta, seu estilo inconfundível e sua abordagem das complexidades humanas garantiram-lhe um espaço duradouro no gênero. Ele consegue articular, com suas tramas, as angústias mais universais por meio de protagonistas carismáticos, cujas trajetórias refletem seus próprios dilemas existenciais.
Com um olhar único sobre o mundo, Allen imprime em suas obras uma visão pessimista, neurótica e por vezes irônica, mas que exala um amor inquestionável pelas cidades que explora, em especial Nova York, seu refúgio de sempre. Ao longo de sua carreira, homenageou a cidade em mais de trinta filmes, porém, com “Meia-noite em Paris”, de 2011, ele nos conduz a uma nova paisagem, mais charmosa e nostálgica: Paris, a Cidade Luz, revelando outro lado de sua narrativa e ampliando seu campo de homenagens.
Nesta história, acompanhamos Gil (Owen Wilson), um roteirista de Hollywood que viaja a Paris com sua noiva, Inez (Rachel McAdams), e os pais dela, em busca de inspiração para o seu primeiro romance. Fascinado pelos ares nostálgicos da capital francesa e suas ruas cheias de história, Gil acredita que esta imersão cultural o ajudará a desbloquear sua criatividade e dar vida ao projeto literário que tanto sonha concretizar.
Enquanto Gil idealiza uma vida boêmia, ancorada na aura dos anos 1920, ele se vê cada vez mais atraído pela cidade, diferentemente de sua noiva, que despreza qualquer ideia de mudança definitiva. Gil fantasia sobre a convivência com artistas do passado, como Hemingway, Fitzgerald e Picasso, certos de que sua proximidade lhe abriria as portas da genialidade. No entanto, para Inez, essas aspirações são puros devaneios e falta de senso prático. Allen constrói, assim, uma deliciosa e emotiva jornada de autodescoberta, confrontando o espectador com as próprias ilusões de tempo e espaço.
Numa noite em que decide caminhar sozinho após um jantar, Gil se perde pelas ruas de Paris e acaba sentando-se em uma escadaria, onde se entrega a seus pensamentos. Ao soar das doze badaladas, um carro antigo surge e alguns estranhos animados o chamam para entrar. Sem hesitar, Gil embarca e é levado a uma festa em um bar elegante, onde, espantado, percebe que está rodeado de pessoas em trajes da década de 1920.
Nessa celebração, ele encontra figuras que julgava inalcançáveis, como Scott e Zelda Fitzgerald, e Cole Porter ao piano, revelando-se em meio a uma experiência surreal de viagem no tempo. Logo, compreende que não está entre meros sósias e que vivencia um encontro direto com seus maiores ídolos, numa dimensão onde o passado e o presente se misturam.
Além de cruzar com personalidades literárias, Gil conhece Gertrude Stein, que oferece observações valiosas sobre seu romance, e Adriana, musa de Picasso, que se torna uma inspiração romântica. A história ecoa, assim, o misterioso episódio de Moberly–Jourdain, em que duas inglesas alegaram ter se transportado, em Versailles, para um encontro improvável com Maria Antonieta e sua corte. Allen utiliza essa premissa para tecer, com humor e nostalgia, uma viagem encantadora à Era de Ouro parisiense.
Este filme, além de render uma das representações mais carismáticas e otimistas de Allen, também teve grande êxito comercial, arrecadando mais de 150 milhões de dólares ao redor do mundo. Diferente de outros projetos do cineasta, esta obra rendeu-lhe múltiplas indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro Original, prêmio que o consagrou e fortaleceu a relação entre seu cinema e a eterna cidade das luzes.
Filme: Meia-noite em Paris
Direção: Woody Allen
Ano: 2011
Gênero: Romance/Fantasia
Nota: 10/10