Um filme absolutamente encantador te espera no canal Max — pare tudo e assista neste fim de semana Divulgação / Sony Pictures

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Um mistério cerca Littlehampton, uma pacata cidadezinha cerca de oitenta milhas a sudoeste de Londres. A chegada de uma nova moradora coincide com o envio de correspondências, digamos, licenciosas para uma vizinha, uma mulher de meia-idade, puritana e sufocada, ainda dividindo a casa com pais nada amigáveis. “Pequenas Cartas Obscenas” é daquelas histórias inverossímeis porque escritas pela própria vida como ela é, cheias de deliciosos absurdos, contradições fundamentais, vaivéns, intriguinhas tacanhas, uma autêntica bola de neve que aumenta de tamanho à medida que desce a gigantesca ladeira do convívio obrigatório entre as pessoas. O “escândalo” de Littlehampton, conhecido em toda a Inglaterra até hoje, dá a dimensão de quanto mudaram os costumes e as sociedades — para pior, dirão os pueris e os tolos, que creem que o Estado deve validar ou não as relações privadas, definindo, inclusive, o léxico apropriado para cada ocasião —, mas Thea Sharrock não vai tão longe, atendo-se a narrar os bastidores da confusão entre essas duas mulheres, engraçados sob o olhar do roteirista Jonny Sweet, que está sempre destacando o burlesco de tudo aquilo.

Edith Swan é forçada pelo pai a reproduzir trechos da “Bíblia” quando faz algo que não o agrada. O cristianismo pedante e venenoso dos Swan é o alicerce daquele lar melancólico, porém o calvário de Edith está prestes a terminar no momento em que Rose Gooding, uma irlandesa de trinta e poucos anos, passa a ocupar a casa ao lado, com seu namorado negro e a filha pequena. Sharrock vai desbastando algumas das muitas camadas de Rose, expondo sua liberdade afrontosa, de quem conhece palavrões para cada letra do alfabeto, entorna hectolitros de cerveja e, o principal, faz sexo aos gritos, o que a vizinhança inteira (e, claro, Edith) acaba por testemunhar. Rose é “perdoada” por se ficar que o marido tombara na recém-finda Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mas não passam despercebidos o fato de ser estrangeira — e, pior, irlandesa — nem tampouco a cor da pele de seu novo companheiro, o que provoca em Edith repulsa, mas também inveja. As tais cartinhas maléficas do título coroam o desejo de que Rose pague por suas frustrações de alguma forma.

Em “A Filha Perdida” (2021), o lacrimoso drama de Maggie Gyllenhaal, Olivia Colman e Jessie Buckley interpretaram a mesma personagem em fases distintas, e talvez o grande trunfo de “Pequenas Cartas Obscenas” seja poder contar com duas das melhores atrizes deste século juntas, ao mesmo tempo. Cada uma desenvolve o respectivo arquétipo de Edith e Rose, dois lados de uma mesma moeda: nem Edith é só pesar e nem Rose é toda prazer. Colman e Buckley equilibram-se nas ambivalências de suas personagens, ora deixando um ar um sorriso de Monalisa, ora segurando o choro, em manobras técnicas de difícil execução. O enigma das cartas, investigado por Gladys Moss, de Anjana Vasan, uma das primeiras policiais mulheres da Inglaterra, confirma o que todos já sabíamos: Littlehampton era pequena demais para Rose Gooding.


Filme: Pequenas Cartas Obscenas
Direção: Thea Sharrock
Ano: 2024
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 9/10