Brilhante, sinistro e bizarro: o filme da Netflix que você não conseguirá tirar da cabeça nunca mais Divulgação / Netflix

Brilhante, sinistro e bizarro: o filme da Netflix que você não conseguirá tirar da cabeça nunca mais

As primeiras cenas de “I Am Mother” (2019) se assemelham a um comercial de margarina, se não fosse o elemento inesperado: uma androide que desempenha com precisão a função materna. A “Mãe” do título é um robô dotado de inteligência artificial, programado para criar embriões humanos em um ambiente altamente controlado. Após uma série de experimentos éticos extremos, os humanos foram eliminados, e Mãe se dedica a criar uma única criança, chamada apenas de Filha. Esse relacionamento entre uma máquina e uma garota cria um dilema profundo e inquietante sobre o que significa ser humano e a quem cabe definir isso.

Interpretada por Clara Rugaard, Filha se vê num universo controlado onde questionar é inevitável, especialmente ao lidar com as rígidas diretrizes de Mãe, uma criação fria e calculista. A androide, com voz de Rose Byrne e corpo animado pela Weta Digital, age como uma mãe zelosa, mas também como uma guardiã implacável, o que desperta a inquietação de Filha. O vínculo entre as duas começa a desmoronar quando uma mulher desconhecida, interpretada por Hilary Swank, entra na trama, trazendo consigo uma perspectiva externa que desafia tudo o que Filha conhece. Essa figura misteriosa planta a semente da dúvida e instiga Filha a querer explorar o mundo fora dos limites seguros impostos por Mãe.

“I Am Mother” remete ao impacto de “Ex-Machina” (2014) ao desenvolver seu núcleo com poucos personagens e discussões complexas. Com uma premissa similar, Grant Sputore questiona o desvirtuamento da inteligência artificial enquanto explora temas sobre poder e controle feminino, sugerindo camadas de misoginia e questionamentos sobre o papel da mulher. A relação entre Mãe e Filha se torna o centro de uma tensão crescente, pois a androide busca replicar uma maternidade que nunca poderá realmente entender. Sua missão original de proteger a humanidade se transforma em um paradoxo, pois, ao tentar proteger, Mãe acaba ameaçando o que define essencialmente a natureza humana.

Enquanto observa Filha crescer, Mãe acredita saber o que é melhor para ela, embora suas ações sejam carregadas de um pragmatismo frio. Esse contraste entre o humano e o artificial se evidencia em sua “criação”, pois, ao tentar aplicar padrões considerados éticos, Mãe perde de vista a complexidade emocional que caracteriza o ser humano. Um robô não pode experimentar a maternidade em sua totalidade, uma vez que esse papel requer um reflexo emocional que é impossível para uma máquina. Isso gera uma conexão defeituosa e uma moralidade distorcida que, embora tecnicamente lógica, beira o inumano.

O filme, ao se aprofundar na ideia de maternidade robótica, contrasta fortemente com figuras icônicas do amor maternal no cinema, como a protagonista de “Mãe!” (2017) de Darren Aronofsky. A Mãe de “I Am Mother” tenta simular uma maternidade artificial e controlada, onde a essência humana é moldada e monitorada de acordo com um conceito eugênico idealizado. Esta abordagem mecanizada e restritiva, longe de ser uma benção, ilustra um final sombrio que adverte sobre os perigos de uma tecnologia que, ao invés de servir ao humano, pretende controlá-lo e substituí-lo.


Filme: I Am Mother
Direção: Grant Sputore
Ano: 2019
Gêneros: Ficção científica/Suspense
Nota: 9/10