O problema comum entre pessoas altamente competentes em tudo que se propõem a fazer é que elas esperam o mesmo nível de qualidade dos outros ao seu redor. No entanto, ninguém trabalha exatamente da mesma forma, e o esforço alheio, por mais dedicado que seja, dificilmente se encaixará nos mesmos padrões de perfeição. Além disso, essas pessoas tendem a ser controladoras. Aqui, estamos falando de indivíduos que, muitas vezes, se destacam em áreas específicas, mas que acabam se tornando difíceis de conviver. Essa dinâmica é explorada no documentário “Martha”, lançado recentemente na Netflix, que narra a ascensão, a queda e a reinvenção de Martha Stewart, a mulher mais influente dos Estados Unidos no século 20.
Martha nasceu em uma família humilde; seu pai era um vendedor frustrado e, aparentemente, alcoólatra, enquanto sua mãe era uma professora e esposa devotada. No quintal de casa, Martha e seus cinco irmãos cuidavam de uma horta e de um pomar, que serviam para sustentar a família, que não tinha recursos para cobrir os gastos de tantos filhos. Martha sempre foi perfeccionista, como seu pai. Ela relata que ouvia atentamente suas instruções sobre o jardim e as seguia à risca. Suas habilidades e seu comportamento rigoroso fizeram dela a filha preferida. Na adolescência, sua beleza lhe rendeu alguns trabalhos como modelo, permitindo que ela ajudasse financeiramente em casa. Aluna exemplar, Martha conquistou uma bolsa de estudos na Barnard College, em Nova York, onde se formou em História e História da Arquitetura.
Foi na faculdade que conheceu Andrew Stewart, seu futuro marido. Eles se casaram em 1961 e tiveram uma filha, Alexis. No entanto, a maternidade não era o ponto forte de Martha, que demonstrava dificuldade em expressar carinho e afeto. Logo, ela deixou as funções domésticas para se tornar corretora em Wall Street, onde teve uma rápida ascensão e se destacou pela sua habilidade e ética de trabalho. Contudo, após algumas crises no mercado, Martha começou a se sentir sobrecarregada e decidiu, junto com o marido, mudar-se para Connecticut, onde reformaram uma casa de campo. Durante a reforma, Martha assumiu sozinha diversas tarefas, desde pintura e jardinagem até decoração, organizando tudo com criatividade e zelo. Sua paixão pela culinária levou-a a organizar recepções em casa para os colegas do marido. A organização impecável e o primor de suas refeições logo lhe abriram portas, levando-a a fundar seu próprio serviço de buffet, que rapidamente ganhou popularidade.
A fama de Martha não parou de crescer. Logo, ela começou a escrever livros de culinária, onde compartilhava seu estilo de vida, e passou a ser convidada para programas de televisão. Sua rápida ascensão profissional coincidiu com a deterioração de seu casamento. Após casos extraconjugais do marido e três décadas de união, Andrew pediu o divórcio. Martha enfrentou esse período difícil encontrando refúgio no trabalho, que lhe servia como válvula de escape. Seu império continuou a crescer de forma impressionante; Martha lançou seu próprio programa de TV, uma revista, e sua marca evoluiu para um conglomerado de mídia com valor bilionário. No início dos anos 2000, ela já era uma das mulheres mais ricas dos Estados Unidos e, possivelmente, a primeira mulher bilionária do mundo.
No entanto, o documentário “Martha” também relembra a crise judicial que abateu sua carreira. Martha foi acusada de fraude e outros crimes financeiros e chegou a ser presa em 2004, cumprindo uma sentença de cinco meses. Em seguida, passou mais cinco meses em prisão domiciliar, sendo condenada por obstrução de justiça, conspiração e por mentir ao FBI.
A situação afetou profundamente sua carreira, resultando em um prejuízo bilionário para sua empresa. Com sua reputação manchada, Martha, que já tinha mais de 70 anos, começou a perder relevância cultural. Contudo, o documentário revela como essa “self-made woman” conseguiu se reinventar na era digital e recuperar seu espaço. Inspirador e revelador, o filme aborda também o desconforto que mulheres em posições de poder frequentemente causam no ambiente corporativo dominado por homens.
Filme: Martha
Direção: R.J. Cutler
Ano: 2024
Gênero: Documentário
Nota: 9