Último dia na Netflix: ganhador do Oscar, um dos romances mais encantadores da história do cinema Divulgação / Sony Pictures Classics

Último dia na Netflix: ganhador do Oscar, um dos romances mais encantadores da história do cinema

O tempo é um mestre implacável, cujas lições, embora inevitáveis, são de difícil aceitação. Desde o princípio, a humanidade se encontra em uma batalha interminável contra um oponente que jamais poderá superar: o próprio tempo. Mesmo que minutos e séculos se sucedam, permanecemos presos a um ciclo contínuo de esperanças e desilusões, acreditando em breves promessas de felicidade. A verdade, no entanto, é que estamos condenados a buscar algo inalcançável, vivendo em um mundo que, tal como a alegoria da caverna de Platão, nada mais é do que um reflexo de nossos desejos e percepções individuais. Cada visão, cada conceito é distorcido por nossas idiossincrasias, levando-nos a seguir uma jornada marcada por ilusões e aspirações. A tirania do tempo transcende qualquer entendimento humano, estabelecendo-se como uma constante no vasto universo, indiferente ao nosso desejo de compreendê-lo ou controlá-lo. Não é a passagem do tempo que define nosso maior dilema, mas sim nossa capacidade — ou falta dela — de encontrar significado em meio ao aparente caos da existência.

Woody Allen é mestre em capturar o fascínio que temos pelo tempo e pela busca de sentido na rotina. Suas narrativas trazem uma atmosfera de encantamento que falta à vida comum, uma sutil magia que ressoa nas mentes daqueles que, como todos nós, vivem realidades previsíveis. Em seu 41° filme, Allen nos relembra que viver é uma luta constante, mas também um convite para explorar as muitas oportunidades de crescimento e aprendizado que o cotidiano oferece. Se nossa existência está repleta de desafios, Allen propõe que a enfrentemos com a curiosidade de quem sempre busca descobrir algo novo. Seu trabalho aborda, de forma única, nosso perpétuo desajuste em interpretar o que o mundo nos comunica de maneira tão clara e direta, esperando que, ao menos uma vez, nos tornemos ouvintes atentos. “Meia-Noite em Paris” (2011) representa mais uma de suas ousadas tentativas de questionar nossas percepções sobre o tempo e nossa incessante busca por propósito.

Gil Pender, o protagonista da história, encontra-se à beira do colapso. Ele é mais uma das representações do próprio Allen, um reflexo de sua exploração psicológica que se estende ao público, tocando a todos que assistem. Em um roteiro repleto de diálogos afiados e reflexões filosóficas genuínas, o diretor molda o dilema existencial de Pender até que atinge um ponto de resolução surpreendente. Owen Wilson, conhecido por papéis instáveis, se destaca ao incorporar o personagem com precisão, consolidando uma trama que explora ligações inusitadas e, ao mesmo tempo, intrigantes entre seus núcleos. Em “Meia-Noite em Paris”, a narrativa se move com naturalidade entre o presente e o passado, sem nunca suscitar dúvidas sobre sua coerência, pois a lógica interna da obra é clara e sólida.

Allen aprofunda o conflito de Pender, utilizando-o como veículo para questionamentos maiores. Pender, um roteirista hollywoodiano que anseia escrever algo significativo, embarca em uma série de conflitos dolorosos com sua noiva, Inez, interpretada por Rachel McAdams. Inicialmente, há uma torcida para que o casal se entenda, mas com o desenvolvimento da trama, fica evidente que a união é insustentável. Ao rejeitar a superficialidade de uma noite parisiense convencional com o arrogante Paul, interpretado por Michael Sheen, Pender atravessa uma fronteira simbólica em direção ao universo que ele acredita ser o seu. Nesse mundo, ele encontra figuras icônicas a quem Allen homenageia: Zelda e F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Gertrude Stein, Alice B. Toklas, e outros grandes da arte e literatura, interpretados em uma narrativa que é ao mesmo tempo nostálgica e inventiva, guiada pela performance sutil, mas impactante, de Kathy Bates como Stein.

A mensagem final de Allen alerta sobre o perigo de ansiarmos por um tempo que não nos pertence. “Meia-Noite em Paris” evoca a necessidade de aceitarmos o presente, lembrando-nos dos riscos de ficarmos presos em nostalgias de eras que não vivemos. A obra desafia o espectador a refletir sobre o próprio tempo e a maneira como o moldamos, sendo um filme que não pode ser ignorado, especialmente em um momento tão denso deste século conturbado.


Filme: Meia-Noite em Paris
Direção: Woody Allen
Ano: 2011
Gêneros: Ficção científica/Fantasia/Romance/Comédia
Nota: 10