Obra-prima primorosa e intensa, thriller que expôs o maior escândalo da história de Hollywood está no Prime Video Divulgação / Universal Pictures

Obra-prima primorosa e intensa, thriller que expôs o maior escândalo da história de Hollywood está no Prime Video

O movimento #MeToo, sem dúvida, abalou o mundo ao abrir espaço para uma onda de denúncias de abusos sexuais sofridos por mulheres e praticados por homens em posições de poder. Com a sua explosão, surgiram reações polarizadas: enquanto muitos viram na iniciativa um passo essencial para combater a cultura do abuso, outros argumentaram que o movimento tornou qualquer interação um potencial caso de assédio, supostamente gerando um clima em que os homens teriam receio de flertar com mulheres. No entanto, será mesmo essa a realidade? Esses argumentos parecem indicar o quanto o machismo e a misoginia tentam ainda se sustentar em uma sociedade que, coletivamente, começou a dizer “basta”.

O #MeToo teve origem nos Estados Unidos em 2017, mas a fundação do conceito é anterior: a ativista Tarana Burke criou o movimento em 2006 para dar voz a mulheres marginalizadas e sobreviventes de abusos. O movimento, contudo, ganhou visibilidade mundial após uma reportagem do The New York Times, escrita por Jodi Kantor e Megan Twohey, que expôs casos de assédio e abuso sexual envolvendo o renomado produtor de cinema Harvey Weinstein, então proprietário da Miramax. Inicialmente, a matéria pretendia denunciar os abusos em ambientes de trabalho, mas, à medida que a investigação progrediu, o nome de Weinstein emergiu como o principal agressor, revelando uma extensa rede de abusos que se perpetuava graças a um sistema de apoio velado e um silêncio conivente, tanto jurídico quanto social. A exposição desse caso incendiou o movimento e trouxe à tona uma série de outras denúncias.

O #MeToo não parou em Weinstein. Outras figuras poderosas do entretenimento e do jornalismo, como o ator Kevin Spacey, o comediante Bill Cosby, o músico R. Kelly e o executivo da Fox News Roger Ailes, também foram expostos. Esses nomes emblemáticos revelaram a profundidade do problema em diversas indústrias, motivando sobreviventes em diferentes partes do mundo a compartilharem suas experiências, gerando um impacto mundial e inspirando legislações e medidas de segurança mais rigorosas.

No filme “Ela Disse”, dirigido por Maria Schrader e baseado no livro de Kantor e Twohey, a história por trás da revelação dos crimes de Weinstein é contada com detalhes. A produção acompanha as duas jornalistas (Zoe Kazan e Carey Mulligan) em sua jornada para apurar os casos de abuso sexual envolvendo o poderoso produtor. Nos primeiros momentos, o filme mostra como Twohey (Mulligan) convenceu várias vítimas a denunciarem abusos perpetrados por figuras influentes, incluindo Donald Trump, então candidato à presidência. Apesar da revelação, Trump foi eleito, e as mulheres que haviam se manifestado enfrentaram retaliações, enquanto a própria Twohey sofreu com ameaças e isolamento.

Após esse trabalho, Twohey tirou uma licença maternidade e retornou ao Times logo em seguida, assumindo também a investigação sobre Weinstein que Kantor já havia iniciado. A experiência traumática de Twohey com o caso de Trump, combinada com o senso de justiça de Kantor, as impulsionou a se aprofundar ainda mais na história de Weinstein. Por meses, as duas repórteres buscaram fontes que hesitavam em falar por medo, examinaram processos judiciais e documentaram acordos financeiros secretos feitos para proteger Weinstein e silenciar as vítimas.

No desenrolar da investigação, várias celebridades passaram a colaborar com a denúncia. A atriz Ashley Judd tornou-se uma das principais fontes na matéria que Kantor e Twohey publicaram no The New York Times, relatando os abusos que sofreu. Gwyneth Paltrow, embora preferisse não expor seu nome no artigo, compartilhou sua experiência, revelando intimidações e ameaças que sofreu. Twohey, desiludida com a falta de repercussão das acusações de abuso contra Trump, questiona a importância de expor Weinstein. No entanto, a publicação revelou dezenas de vítimas e demonstrou o impacto que o jornalismo investigativo pode ter na vida das pessoas e na sociedade.

“Ela Disse” é mais do que uma crônica jornalística sobre uma investigação; é um thriller emocional e intenso, que destaca a importância de uma imprensa independente e das mulheres que corajosamente escolheram falar. O filme é conduzido por atuações sólidas: Zoe Kazan e Carey Mulligan como as jornalistas incansáveis, Patricia Clarkson como Rebecca Corbett, editora do Times, e Andre Braugher no papel de Dean Baquet, o editor-chefe, além das personagens coadjuvantes, que acrescentam profundidade à narrativa.

Com um roteiro que retrata fielmente as tensões e desafios enfrentados pelas jornalistas, “Ela Disse” não apenas conta uma história de coragem e determinação, mas também serve como um lembrete do poder transformador da verdade. O movimento #MeToo, em conjunto com essa reportagem e com o filme, trouxe à tona discussões essenciais sobre abuso, consentimento e poder. Ele deu início a uma era de responsabilização e encorajou mulheres a se manifestarem contra estruturas abusivas, inspirando mudanças que vão além de Hollywood e reverberam em diversos setores da sociedade.

Filme: Ela Disse
Direção: Maria Schrader
Ano: 2022
Gênero: Thriller/Drama
Nota: 10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.