A trajetória de Mike Nichols é uma narrativa peculiar e arrebatadora. Seu apreço pelas artes dramáticas transcendeu divisões: não limitou sua criatividade nem ao palco nem à tela, mas sim expandiu-se com maestria em ambos os territórios. Nascido Michael Igor Peschkowsky, ele escapou da Alemanha nazista com sua família em 1939, quando ainda era uma criança de oito anos. Sua jornada até os Estados Unidos foi uma resposta à intolerância de Hitler e, de certa forma, moldou a perspectiva única e multifacetada que ele aplicaria ao longo de sua carreira. Judeu em uma terra onde a aceitação estava longe de ser garantida, Nichols soube criar um lugar para si mesmo, representando com autenticidade diferentes facetas humanas.
A obra de Nichols foi enriquecida pela intensidade de sua própria experiência de vida, e ele atingiu uma proeza incomum: o reconhecimento nas mais prestigiadas premiações americanas — Oscar, Emmy, Grammy e Tony. Em 1966, sua adaptação do texto de Edward Albee, “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?”, não só conquistou a crítica, mas também abriu portas para seu Oscar como Melhor Diretor com “A Primeira Noite de um Homem”, em 1967. Ao longo dos anos, Nichols construiu um olhar perspicaz sobre a complexidade humana, desenvolvendo uma linguagem que ecoa no íntimo do espectador.
Em “Closer”, lançado no Brasil em 2005, Nichols desvela as intricadas camadas das relações humanas. Na trama, as vidas de Dan, Alice, Anna e Larry se entrelaçam e se corroem, como se fossem peças de uma dança inevitável e perturbadora. Estes personagens se movem em torno de seus desejos e fragilidades, expondo um retrato ácido de manipulação e autossabotagem. À primeira vista, eles parecem dois casais comuns, mas com o desenrolar da história, formam uma trama de interações que desestabilizam qualquer conceito romântico, como em uma dança europeia formal e, ao mesmo tempo, transgressiva. Londres torna-se palco de suas angústias, uma cidade opressora, onde Alice dança por sobrevivência e Anna capta almas com sua câmera; Dan escreve obituários que equalizam as diferenças sociais na morte, e Larry disseca verdades duras, indiferente às sensibilidades.
A relação entre Dan e Alice traz à tona um sentimento genuíno, porém desgastado pela realidade. Menos calejados, eles ainda se apegam a ilusões, diferente do que ocorre entre Larry e Anna, onde os resquícios de amor são substituídos pela busca incessante de saber o que o outro esconde. Com requintes de crueldade, Larry exige de Anna detalhes sobre seus encontros com Dan, num desejo obsessivo de controle e revelação. A narrativa aqui evoca o pensamento de Arthur Schopenhauer, onde o homem, guiado por percepções distorcidas, está fadado a escolhas que o aprisionam. Dan, por exemplo, só compreende o valor de Alice quando o vínculo já está fragmentado.
Alice, interpretada por Natalie Portman, emerge como o eixo emocional de “Closer”. Sua fragilidade aparente, desde a abertura do filme, engana o espectador, pois ela se revela o ponto de maior firmeza emocional entre os quatro. Seu olhar penetrante e sua expressão contida falam mais do que suas palavras, cativando o público e estabelecendo uma conexão direta. A personagem é o espelho da narrativa, pedindo que o público observe não os outros, mas a si mesmo, através de seu olhar. Alice, embora em meio ao submundo, é quem mais se preserva da corrupção emocional que acomete seus pares.
Nichols compreendia o peso da rejeição e da aceitação por experiência própria. Sua carreira brilhou cedo, mas seu talento não foi plenamente valorizado por décadas. “Closer” marca não só seu retorno à intensidade artística, mas também reafirma sua marca no cinema. Nichols seguiu em frente com produções emblemáticas até “Jogos do Poder” (2007), fechando com uma última obra memorável. Seu legado, reafirmado por “Closer”, nos permite revisitar questões profundas sobre nós mesmos e sobre o alcance do olhar de Nichols, sempre incisivo e verdadeiro.
Filme: Closer
Direção: Mike Nichols
Ano: 2004
Gêneros: Drama/Romance
Nota: 9/10