Se o Coringa está por baixo, outro vilão do universo de Batman, o super-herói criado por Bill Finger (1914-1974), Bob Kane (1915-1998) e Leslie H. Martinson (1915-2016) para as histórias em quadrinhos publicadas pela DC Comics, está na boca do povo. Produzida pela HBO e exibida pelo Prime Video aos domingos, “Pinguim” volta ao último filme protagonizado pelo Homem-Morcego, o dirigido por Matt Reeves em 2022, para explicar a nova crise moral de Gotham City, conduzida como uma questão de honra por Oswald Chesterfield Cobblepot. O filho abandonado de Gertrud Kapelput e Elijah Van Dahl, habitué do submundo da cidade mais corrompida do planeta, chegou com toda a força na série idealizada por Lauren LeFranc, que destaca nuanças da personalidade do mafioso não muito bem-exploradas — ou que não puderam resistir ao apelo midiático do dono da festa, muito mais requisitado, muito mais famoso e muito mais bonito.
Nesse ponto específico, “Pinguim” guarda uma surpresa para os mais desligados, e ninguém deixa de se admirar ao saber que Colin Farrell é quem se põe na pele daquele sujeito asqueroso, deformado por fora e por dentro, metamorfose sempre desafiadora para qualquer ator. Aqui, busca no fundo de Oz Cobb algum indício que leve a possíveis razões de sua delinquência, contrabalançando a dureza do bandido com laivos de autoindulgência e mesmo fragilidade de um legítimo filhinho da mamãe, como se precisasse ser amado a todo custo. Mesmo que para isso uma cidade se afunde na lama.
Pinguim está, na sua cabeça perturbada, apenas tentando fazer Gotham grande outra vez, depois do estrago que o Charada impingiu a sua querida terra ao explodir o muro de contenção que minimizava os danos das comunidades mais pobres quando o céu desabava, algo bastante comum nessa metrópole cinzenta e trevosa. A referência direta ao trabalho de Reeves não é gratuita, claro, e entram na equação aqui também elementos como “Se7en — Os Sete Crimes Capitais” (1995), o neonoir de David Fincher, e algo de Martin Scorsese, David Cronenberg ou Brian De Palma, que vão amalgamando-se até uma consistência próxima à de “Família Soprano” (1999-2007), também da HBO.
Esse caos generalizado é o cenário perfeito para que o malvado favorito da vez cresça sobre seus rivais, em especial os Falcone e os Maroni, duas correntes opostas do crime organizado siciliano radicado em Gotham que andam mal das pernas — Carmine Falcone fora morto no longa de 2022, mas volta interpretado por Mark Strong, e o Salvatore Maroni de Clancy Brown cumpre sentença na Penitenciária de Blackgate. Aos poucos, Farrell invoca os tantos heróis a que já dera vida, como no malfadado “Alexandre” (2004), de Oliver Stone, para tirar partido da feiura existencial de Pinguim, uma figura que, gostemos ou não, catalisa o que pode haver de pior na alma humana, mas com o charme de um lobo solitário, disposto a imolar-se em praça pública desde que a concorrência vá com ele para o quinto dos infernos.
Sem nenhum alarde, LeFranc e os diretores Helen Shaver e Craig Zobel dão suas alfinetadas políticas, sem prejuízo da abordagem puramente ontológico de Pinguim, dada por sua amizade com a Sofia Falcone de Cristin Milioti, um espírito aleijado como ele, e a afeição por Victor Aguillar, o Robin do mal desse Batman frustrado. Só a parceria de Farrell e Rhenzy Feliz já vale a meia dúzia de capítulos liberados até este momento, e pelo que se tem, há de nascer outro grande facínora em breve. Vida longa a Oswald Cobblepot!
Série: Pinguim
Criação: Lauren LeFranc
Ano: 2024
Gênero: Drama
Nota: 9/10