Distribuído de forma desigual, o talento é um recurso que poucos possuem. Conhecemos aqueles que, por anos, investem em uma carreira, acumulam empregos para custear cursos, mas no final de uma longa e árdua trajetória, o que resta é apenas a desilusão. Este é o destino de muitos, apesar de dedicação e esforços incansáveis.
Entretanto, há histórias que desafiam essa lógica. Como explicar alguém destinado ao fracasso, cujo caminho parecia estar traçado por conflitos familiares, temperamento difícil e escassez financeira, alcançando um êxito que poucos imaginariam? Seria o sucesso uma questão de merecimento divino? Este é o tipo de narrativa que a televisão adora explorar, e “Mãos Talentosas: A História de Ben Carson”, filme de 2009 lançado pela TNT, não foge a essa regra. Focando na perseverança, na força de vontade e na superação de obstáculos, a obra traz à tona debates sobre resiliência, controle de impulsos e transcendência de limitações pessoais.
Dirigido por Thomas Carter, o filme se beneficia da atuação do protagonista, entregando um conteúdo que pode, a princípio, parecer arrogante ou exagerado. Contudo, para parte da audiência, a abordagem mostra-se estimulante e inspiradora. Cuba Gooding Jr., ao interpretar Ben Carson, reproduz com intensidade o mesmo carisma visto em “Jerry Maguire” (1996), papel que lhe rendeu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. No papel do renomado neurocirurgião, Gooding injeta humanidade a uma narrativa que se destaca pelo detalhamento técnico, especialmente nos trechos relacionados a doenças e cirurgias, oferecendo uma visão quase documental que por vezes soa como um encontro acadêmico.
O roteiro, escrito por John Pielmeier, levou anos para ser adaptado, e ainda que peque pelo excesso de rigor médico, Carter redime-se ao expor o lado humano de Carson. Antes mesmo da cena central do filme, a conduta do neurocirurgião em procedimentos de alta complexidade é revelada de forma sutil, como no momento inicial em que Carson escuta uma peça de Vivaldi, sinalizando traços fundamentais de sua personalidade.
A obra investiga a infância de Carson, um menino com limitações, vivido de maneira vibrante por Jaishon Fisher. Sua juventude é marcada pela presença de uma mãe depressiva e pela ausência do pai, que deixou a família para mergulhar no vício. Mesmo assim, Sonya Carson, interpretada por Kimberly Elise, é o alicerce de Ben. Ela se equilibra entre o afeto e a disciplina, impondo uma força que permitirá ao filho buscar um destino distinto dos pais, que mal completaram o básico na educação. Elise representa Sonya como uma mãe que desafia as dificuldades, sem nunca se afastar dos filhos, mesmo durante o tratamento da própria saúde mental.
Apesar de toda a complexidade emocional, o filme também aborda as reviravoltas éticas na trajetória de Carson. A controvérsia sobre uma suposta bolsa integral em West Point, que Carson teria recusado, voltou a ganhar atenção durante sua pré-candidatura à presidência dos EUA em 2020. Essa narrativa acaba sendo omitida no filme, que enfatiza a imagem idealizada do protagonista. O procedimento revolucionário de Carson, capaz de separar gêmeos siameses unidos pelo crânio, o tornou uma figura de renome internacional. “Mãos Talentosas: A História de Ben Carson” exalta seus méritos, apesar de deslizes narrativos. A prudência talvez fosse uma adição valiosa ao retrato do neurocirurgião que, mesmo diante das polêmicas, demonstrou um impacto indiscutível na medicina neurológica.
Filme: Mãos Talentosas: A História de Ben Carson
Direção: Thomas Carter
Ano: 2009
Gêneros: Drama/Biografia
Nota: 9/10