Uma das maiores histórias de amor da literatura do século 20 em romance belíssimo na Netflix Parisa Taghizadeh / Netflix

Uma das maiores histórias de amor da literatura do século 20 em romance belíssimo na Netflix

O enredo de “O Amante de Lady Chatterley” entrelaça desejo e frustração em uma trama ambientada no pós-Primeira Guerra, centrada na Inglaterra conservadora, onde o desenvolvimento industrial avança rapidamente. Constance Reid, uma mulher rica e socialmente respeitada, encontra-se aprisionada em um casamento sem amor com Clifford Chatterley, um homem agora inválido e emocionalmente alheio.

É nesse contexto que surge Mellors, o guarda-caça enigmático da propriedade, cujo charme rústico e a sofisticação oculta de um leitor de James Joyce despertam um novo ímpeto em Constance. A narrativa de D. H. Lawrence retrata mais do que um caso amoroso; é um exame profundo de como o desejo e a desilusão se entrelaçam, revelando as forças obscuras do ódio que oprimem lentamente, de forma quase imperceptível, até aniquilar.

A adaptação da diretora francesa Laure de Clermont-Tonnerre eleva a atmosfera lírica do romance, traduzindo-a em uma película onde a intensidade dos sentimentos — para o bem ou o mal — aparece em sua expressão mais autêntica. Lady Chatterley ocupa o centro da narrativa, em uma presença que suprime até o peso de seu amante, refletindo a visão de Lawrence sobre a mulher à frente de seu tempo, embora ainda limitada pelos valores de uma sociedade patriarcal e conservadora.

David Magee, responsável pelo roteiro, adapta a trama com um toque que mantém as complexidades da protagonista, que anteriormente já havia experimentado amores, mas que opta por um casamento com Clifford Chatterley, vivido por Matthew Duckett. Essa escolha parece inevitável, e logo Constance se vê aprisionada na monotonia emocional que caracteriza a vida conjugal ao lado de Clifford.

Emma Corrin, no papel de Constance, entrega uma interpretação que capta a essência intensa e, em momentos, quase desinibida da personagem, traduzindo-a com fidelidade à estética de Lawrence. Na figura de Clifford, as dúvidas e fraquezas são evidentes; ele é um homem que, após a guerra, decide se refugiar em sua propriedade sombria em Wragby, afastado das pressões sociais, mas que, ao se ausentar emocionalmente, condena a esposa a um exílio pessoal.

Clermont-Tonnerre expande o tema da letargia destrutiva com o mesmo traço que marcou “Mustang – Alma Indomável” (2019), e Emma Corrin explora com vigor esse paradoxo de uma mulher simultaneamente ativa em seus sentimentos e contida pelas limitações sociais.

Quando Oliver Mellors, interpretado por Jack O’Connell, entra em cena, a trama ganha novos contornos. Ao contrário do amante comum, Mellors é apresentado como alguém alheio ao mundo que o cerca, um estranho que reconhece a marginalidade de seu papel na sociedade. A relação que surge entre ele e Constance escapa de qualquer categorização simples.

Sua interação é guiada tanto pelo desejo físico quanto pela afeição que transcende o status social. Mellors, marcado por seu próprio histórico de guerra, carrega uma complexidade que o torna uma figura cativante. Sua simplicidade contrasta com o gosto pela literatura, um detalhe que serve de símbolo para a conexão profunda que ele e Constance desenvolvem.

A jornada de ambos é marcada pela discriminação e pela intromissão alheia, culminando em um destino que os separa fisicamente, mas não os distancia emocionalmente. A direção de fotografia de Benoît Delhomme exalta o contraste entre a vida interna turbulenta dos protagonistas e a serenidade do ambiente rural em cenas onde o amor entre Constance e Mellors se materializa em imagens quase oníricas de uma natureza pura.

Entre o autoexílio de Constance em Veneza e a reclusão de Mellors em uma vila escocesa, a narrativa alcança seu clímax, pontuado pela amarga verdade de que o amor, em sua forma mais simples, muitas vezes permanece inalcançável.

“O Amante de Lady Chatterley” não é apenas a história de uma paixão proibida, mas uma meditação sobre os desafios que acompanham a busca por autenticidade em uma sociedade repressiva. A obra destaca que, ao final de tantas lutas internas e revoluções silenciosas, a recompensa é, paradoxalmente, um amor confuso e ainda assim intensamente desejado, vivido em sua plenitude, mesmo que apenas por breves momentos roubados do destino.


Filme: O Amante de Lady Chatterley
Direção: Laure de Clermont-Tonnerre
Ano: 2022
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 9/10