Indicado ao Bafta, remake de suspense de Hitchcock está na Netflix e é perfeito para entrar em clima de Halloween Kerry Brown / Netflix

Indicado ao Bafta, remake de suspense de Hitchcock está na Netflix e é perfeito para entrar em clima de Halloween

Publicado em agosto de 1938, “Rebecca — A Mulher Inesquecível” tornou-se um marco literário ao explorar a vulnerabilidade e o conflito emocional de uma jovem que, ao se casar com um homem socialmente prestigiado, confronta o peso da memória da falecida esposa do marido. Com sua narrativa envolvente, Daphne Du Maurier conduziu a protagonista por uma trama de suspense psicológico, onde o passado da enigmática Rebecca se revela tão opressor quanto a própria atmosfera de Manderley, o sombrio palacete em que a história se desenrola.

O sucesso da obra levou à sua adaptação para o cinema em 1940, nas mãos do icônico Alfred Hitchcock (1899-1980). Ele trouxe para os papéis principais Joan Fontaine (1917-2013), Laurence Olivier (1907-1989) e Judith Anderson (1897-1992), que imprimiram a intensidade emocional e a complexidade dos personagens. Com esses elementos, Hitchcock transformou “Rebecca — A Mulher Inesquecível” em um sucesso atemporal e visualmente arrebatador, deixando sua marca indelével no gênero do suspense.

Curiosamente, a história de “Rebecca” também encontrou espaço no teatro e no rádio. No mesmo ano em que o livro foi publicado, o inovador Orson Welles (1915-1985) adaptou a obra para uma produção radiofônica no Mercury Theatre de Nova York, fundado por ele em 1937. Sob sua direção, “Rebecca” ganhou contornos únicos, permitindo que o público experimentasse o terror e o mistério de Manderley mesmo sem as nuances visuais. Décadas depois, em uma era moderna e tecnologicamente avançada, o diretor Ben Wheatley assumiu o desafio de reviver a narrativa para a Netflix, buscando manter-se fiel ao universo sombrio e psicológico de Du Maurier, mas adicionando novos elementos que dialogassem com o público atual.

Os roteiristas Anna Waterhouse, Jane Goldman e Joe Shrapnel se mantiveram atentos ao espírito da narrativa original, preservando sua essência ao explorar os simbolismos e os elementos sobrenaturais de Manderley. Desde a famosa abertura, que antecipa o aspecto assombrado do palacete, até a adaptação das cenas em Monte Carlo, onde a protagonista, vinda de uma classe social inferior, luta para sobreviver às humilhações de sua patroa, a trama sustenta uma crítica sutil, porém perceptível, às desigualdades sociais na Europa da década de 1930.

A adaptação de Wheatley sublinha as complexidades daquele período, situado entre o colapso econômico de 1929 e as tensões pré-Segunda Guerra Mundial, abordando temas como a precarização do trabalho. Em meio a um cenário de luxo e decadência, simbolizado pelo champanhe e pelas valsas que ecoam pelos salões de Manderley, a trilha de Clint Mansell contrasta com sua suavidade, diluindo um pouco da melancolia que deveria acentuar o desenrolar dos eventos.

Maxim de Winter, interpretado por Armie Hammer, assume o papel de um aristocrata atormentado, dividido entre o desejo de seguir em frente e a sombra sufocante de Rebecca, cuja presença se faz sentir de forma quase onipresente. A química entre Hammer e Lily James, que interpreta a nova senhora De Winter, conduz o espectador por uma relação marcada pela paixão e pela repressão, desafiada pela desaprovação latente da senhora Van Hopper, vivida com maestria por Ann Dowd. Enquanto o casal experimenta um romance que tenta transcender as barreiras do passado, a nova esposa de Maxim encara o desafio de ocupar o lugar de uma figura idealizada, sem nunca se livrar completamente do estigma de ser a segunda senhora De Winter.

A performance de Lily James traz uma dimensão mais introspectiva à protagonista, que no romance original de Du Maurier era retratada como uma jovem de temperamento quase submisso. Essa interpretação reinterpreta os traços ingênuos e delicados da personagem, sem, no entanto, fugir das nuances emocionais.

Em paralelo, Kristin Scott Thomas encarna a senhora Danvers de forma notável, transmitindo a intensidade da governanta de Manderley com uma mistura de reverência e obsessão. A aura misteriosa e quase possessiva que ela confere à personagem sugere que o vínculo com a falecida Rebecca vai além da lealdade profissional, insinuando motivações e sentimentos que, na adaptação de Wheatley, ganham um toque de ambiguidade atraente e perturbador.

A relação de Maxim com a nova esposa e a ambígua devoção da senhora Danvers pela falecida Rebecca continuam a sustentar a essência de “Rebecca — A Mulher Inesquecível” como um romance gótico moderno. A narrativa evoca, de maneira intrigante, a atmosfera fantasmagórica que permeia a obra original, misturando o suspense com nuances psicológicas e sociais. Embora a versão de Wheatley traga adaptações contemporâneas e algumas liberdades criativas, ela preserva o magnetismo de Manderley e o impacto duradouro da obra de Du Maurier, reafirmando seu status como um clássico que transcende o tempo e as gerações.


Filme: Rebecca — A Mulher Inesquecível
Direção: Ben Wheatley
Ano: 2021
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 8/10