Um dos filmes mais perturbadores dos últimos 10 anos, suspense de M. Night Shyamalan está na Netflix Divulgação / Universal Pictures

Um dos filmes mais perturbadores dos últimos 10 anos, suspense de M. Night Shyamalan está na Netflix

A mente humana é um território insondável, repleta de mistérios e curvas labirínticas onde muitos já se perderam ao tentar desvendar as profundezas de seus próprios pensamentos. M. Night Shyamalan sabe explorar essas camadas ocultas e revela, em “Fragmentado”, um estudo intenso sobre os aspectos mais sombrios da psique. Ao retratar o protagonista Kevin Wendell Crumb, um personagem com múltiplas personalidades que habitam seu corpo e espírito, o diretor constrói um cenário complexo e sombrio.

Kevin vive à mercê de uma dualidade interna: enquanto oscila entre seres diversos e fragmentados, ele também se vê em meio a um instinto voraz e descontrolado, preso na busca por salvação. Mas, ao mesmo tempo, o personagem se rende à dominação que exerce sobre esse reino caótico, onde ele reina absoluto, sem regras ou limites para contê-lo.

Shyamalan cria, ao lado de Kevin, um contraponto na figura de Casey Cooke, interpretada por Anya Taylor-Joy. A jovem, deslocada e misteriosa, integra o núcleo da narrativa de forma intrigante. Embora não tivesse laços próximos com Claire Benoit, colega cujo aniversário a leva ao convívio com os demais personagens, sua participação desencadeia uma série de eventos que revelam traumas e dilemas próprios.

Casey não se destaca nas interações que a cercam, optando por manter-se à margem. No entanto, o diretor faz dela a peça essencial em sua obra, inserindo-a como a possível âncora de uma trama marcada por encontros fortuitos e decisões imprevistas. Desde o carro do pai de Claire, que poderia estar parado em outro lugar, até o gesto aparentemente inocente de aceitar a ajuda de um estranho, cada detalhe é cuidadosamente posicionado para justificar o entrelace de destinos. Com essas escolhas de roteiro, Shyamalan ilustra como trajetórias humanas podem se cruzar, conduzidas por decisões triviais que ocultam consequências profundas e inesperadas.

James McAvoy se destaca ao personificar a pluralidade que define Kevin. Seu desempenho atravessa camadas intricadas de personalidade e emoção, transmitindo a complexidade do protagonista com uma habilidade rara. Shyamalan desenha 23 perfis distintos que coexistem dentro de Kevin, e McAvoy dá vida a alguns deles com uma intensidade cativante. Entre eles, estão Hedwig, uma criança de nove anos, que exibe uma doçura atrevida, e Barry, um nova-iorquino obcecado por estilo.

Contudo, é Dennis, o verdadeiro núcleo sombrio de Kevin, que domina a narrativa e mantém Casey, Claire e Marcia, interpretada por Jessica Sula, aprisionadas. A atuação de McAvoy, cuidadosamente elaborada, evidencia o fardo físico e emocional que a multiplicidade impõe ao ator, enquanto explora uma gama de emoções e reações que, juntas, constroem um personagem tão fascinante quanto perturbador.

Na construção de sua trama, Shyamalan explora a loucura sob diversos ângulos, utilizando a personagem Karen Fletcher, uma psiquiatra veterana interpretada por Betty Buckley, como a voz racional que tenta compreender e conter a insanidade de Kevin. Karen se vê desafiada a lidar com as nuances de sua complexidade e tenta penetrar no emaranhado psicológico do protagonista, acreditando ter as ferramentas para refreá-lo. Mas, ao fim, o diretor não oferece uma resolução simples: a inevitabilidade do destino de Kevin surge como uma força invencível, antecipada desde os primeiros momentos do filme.


Filme: Fragmentado
Direção: M. Night Shyamalan
Ano: 2016
Gêneros: Thriller/Terror
Nota: 8/10