A chegada dos 70 anos de Stephen King, em 21 de setembro de 2017, foi o pretexto perfeito para que vários filmes inspirados por suas narrativas de terror psicológico ganhassem as telas. Entre eles,“It — A Coisa”, com seu sinistro palhaço, sob a direção de Andy Muschietti; “A Torre Negra”, a história de um jovem fora-da-lei em busca de seu lugar, filmado por Nikolaj Arcel; e “Jogo Perigoso”, de Mike Flanagan, que explora as complexas perturbações de um casal em crise. Por sua vez, Zak Hilditch dirige “1922”, uma adaptação que mostra a que veio.
Hilditch destaca-se como o mais hábil desse grupo ao traduzir o sentimento peculiar das obras de King para a linguagem cinematográfica, algo que se deve em grande parte ao talento narrativo do escritor. “1922” é ambientado em paisagens rurais de Nebraska, onde campos verdejantes e dias ensolarados não antecipam o horror que se desdobrará ao longo dos cem minutos seguintes, em um cenário meticulosamente criado pelo diretor de fotografia Ben Richardson, de “Indomável Sonhadora” (2013). A estética detalhada é uma das qualidades mais marcantes do filme, explorada com perspicácia por Hilditch, mas é o elenco enxuto, com Thomas Jane no papel principal, que realmente dá vida à história.
Wilfred James, o protagonista, é um fazendeiro que se vê lentamente despedaçado. Dono de uma propriedade herdada de seus ancestrais, ele possui mais de oitenta acres de terra em Nebraska, mas seu domínio é limitado: sua esposa Arlette, interpretada por Molly Parker, quer vender o pedaço de terra herdado de seu pai e também convencê-lo a se desfazer de sua própria fazenda, com a intenção de dividir o dinheiro e seguir caminhos diferentes. O apego de Wilfred ao lugar em que construiu sua vida e criou seu filho Henry (Dylan Schmid) o leva a extremos impensáveis. A simples ideia de perder esse vínculo com sua identidade o atinge profundamente, despertando uma força destrutiva que ele vê como a única solução para sua angústia. Com a ajuda de Henry, ele coloca seu plano sombrio em ação, eliminando Arlette como obstáculo.
O roteiro de Hilditch remete aos contos de horror psicológico de autores como Edgar Allan Poe, além do próprio King, mas o enredo avança sem concessões pela complexidade moral de Wilfred, evocando comparações até com o Raskólnikov de Dostoiévski em “Crime e Castigo”. Conforme a culpa pelo assassinato de Arlette cresce, a sanidade de Wilfred começa a ruir, ainda mais com a partida de Henry, deixando-o à mercê de seus demônios. Esses tormentos inicialmente são internos, mas logo ganham forma concreta através de ratos que infestam a casa, simbolizando o peso da culpa que o persegue, ilustrado pela marcante atuação de Thomas Jane, com seu rosto marcado pelo trabalho no campo e um sotaque sulista convincente.
À medida que “1922” revela seus segredos e Hilditch explora a vulnerabilidade de Wilfred, que sucumbe sob o assédio implacável de seus próprios fantasmas, o filme prepara o terreno para um desfecho fatal e agonizante, consagrando-o como uma obra de terror psicológico de peso. Wilfred, incapaz de enfrentar o mal que ele próprio provocou, torna-se prisioneiro de seu medo, desmoronando em um estado irreversível de insanidade.
Explorando a falta de fibra moral de um homem de meia-idade, que sucumbe por não saber o que realmente deseja, “1922” ecoa aspectos de “O Iluminado” (1980), de Stanley Kubrick, enquanto desenvolve sua própria narrativa única. Zak Hilditch entrega uma das mais eficazes adaptações de King, trazendo à tona um dos temas prediletos do autor: casamentos que se prolongam por pura inércia, resultando em finais melancólicos — e muitas vezes trágicos — como o deste filme.
Filme: 1922
Direção: Zak Hilditch
Ano: 2017
Gênero: Terror/Drama
Nota: 9/10